Quando Van Gogh chega ao Brasil…

A trajetória de “O Escolar”, do célebre pintor holandês, é o tema apresentado por Felipe Martinez no segundo volume da Coleção Prismas, da Editora da USP

 29/09/2023 - Publicado há 7 meses
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Capa do livro "O Escolar", de Felipe Martinez - Fotomontagem: Jornal da USP - Imagem: Divulgação/EDUSP

Quando O Escolar, pintado por Van Gogh em 1888, desembarcou na cidade de Salvador em 1952, foi recebido por uma festa típica da cordialidade baiana… Discursos de autoridades, crianças de uniforme escolar e o show de Pixinguinha, Benedito Lacerda, Dorival Caymmi e Luiz Gonzaga. Uma recepção que o pintor holandês jamais poderia prever em sua trajetória. 

Com a descrição dessa cena, o historiador e crítico de arte Felipe Martinez abre o segundo livro da Coleção Prismas, da Editora da Universidade de São Paulo (Edusp). “Tudo isso para receber uma pintura feita por Van Gogh no ano da Abolição da Escravatura no Brasil e pensada como parte de um grupo de obras, como parte de um todo”, explica. “É o retrato de um menino que parece inquieto em uma cadeira de madeira simples; bochechas rosadas, rosto esverdeado, veste um uniforme escolar azul e um quepe verde-turquesa. O fundo se divide em duas faixas, a inferior, laranja – em contraste com o azul da roupa – e a superior, vermelha, em contraste com o rosto e o chapéu.”

Felipe Martinez - Foto: Arquivo Pessoal

Felipe Martinez - Foto: Arquivo Pessoal

Martinez leva o leitor a conhecer detalhes da vida e obra do pintor. O Escolar, sob a admiração de milhares de pessoas que vão ao Masp, é o garoto Camille Roulin, de 11 anos. “Mas essa não é a única pintura de Van Gogh que pode ser vista em São Paulo. O Masp possui quatro obras que, com certeza, foram pintadas pelo artista”, observa o autor. “Além de O Escolar, lá também estão A Arlesiana, Passeio ao Crepúsculo e Banco de Pedra no Asilo de Saint-Rémy. Cada uma delas com a sua própria história, tanto no que diz respeito à época em que foram pintadas quanto ao que aconteceu com elas após a morte do artista.” Vincent Van Gogh morreu em 1890, aos 37 anos.

“Para o pintor, a atividade do artista não estava – ou não deveria estar – tão distante da atividade de um trabalhador comum”

Ao analisar a festa popular para O Escolar, que chegou a Salvador 64 anos depois de ser pintado pelo artista, o historiador Felipe Martinez faz uma análise contextualizando a recepção preparada para a obra de Van Gogh com o momento vivido no Brasil. E, ao mesmo tempo, traz uma reflexão sobre a personalidade do artista e as suas tentativas em se aproximar das pessoas mais simples, como a família do carteiro, pai de Camille Roulin (O Escolar). Em uma carta enviada ao irmão Theo, ele conta que pintou a família inteira de Camille.

“Coincidência ou não, no momento em que O Escolar chega ao Brasil a educação estava no centro das preocupações com o desenvolvimento nacional”, destaca Martinez. “Mais do que isso, a pintura entrou no país pelo Nordeste, num período de grandes desigualdades regionais. Basta pensar na criação, em 1959, durante o governo Juscelino Kubitschek, da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste, Sudene, concebida pelo economista Celso Furtado.”

Segundo o autor, a grande festa popular evoca o espírito de um Brasil que buscava desenvolver suas regiões de modo equilibradoTambém justifica o interesse do Masp, criado em 1947, com a meta de ser o primeiro museu moderno do País, pelas obras do artista. “O objetivo do fundador Assis Chateaubriand, desde o começo, era ‘criar um museu para o povo’, ‘levar a arte ao homem simples’. Lina Bo Bardi declara, no mesmo sentido, que o Masp se dirigia ‘especificamente à massa não informada, nem intelectual, nem preparada’.”

O historiador Martinez explica que Van Gogh já tinha as mesmas intenções de incentivar a arte para o povo. “Em 1882, alimentava esperanças de criar uma série de gravuras de tipos populares para serem vendidas a preço baixo e compradas pelas pessoas simples: uit het volk voor het volk, ou ‘do povo para o povo’. A primeira coisa que disse sobre os habitantes de Arles, ao chegar à cidade, foi que ‘eles eram de uma ignorância crassa em arte’. O pintor provavelmente iria gostar de saber que uma de suas pinturas esteve em meio aos trabalhadores do lugar onde ele acreditava estar o futuro da pintura. Durante toda sua vida, ele nutriu grande admiração pelas pessoas menos favorecidas, fossem camponeses da região de Brabant, no sul da Holanda, fossem trabalhadores da cidade, como a família de Camille Roulin. ”

O Escolar, de Vincent Van Gogh, escrito por Felipe Martinez. Livro da Coleção Prismas, da Editora da USP, sob a coordenação de Jorge Coli. Tem 176 páginas com imagens coloridas. Preço: R$ 98,00


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A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.


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