Um retrato de mulher conta a história de Rodolfo Amoedo

A pesquisa e as reflexões de Sonia Gomes Pereira sobre a vida e a obra do artista estão no primeiro volume da Coleção Prismas, da Editora da USP

 22/09/2023 - Publicado há 8 meses

Texto: Leila Kiyomura

Arte: Simone Gomes

O quadro Más Notícias (1895), de Rodolfo Amoedo

Más Notícias, de Rodolfo Amoedo, é o título do primeiro volume da Coleção Prismas, da Editora da USP (Edusp). Escrito por Sonia Gomes Pereira, historiadora e professora da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ela analisa a pintura Más Notícias, que ilustra a capa do livro e, através dela, apresenta os caminhos do artista no final do século 19.

A autora orienta o leitor a observar atentamente a obra. “O que chama a atenção de imediato é sua composição. Trata-se de um retrato de mulher, composto basicamente por três partes: a figura feminina sentada ao centro, parte da poltrona, em primeiro plano, e o fundo bastante próximo, em grande parte escuro, apenas com um painel à esquerda.”

Os olhos castanho-escuros da moça com a mão esquerda no rosto claro, levemente rosado, parecem observar o leitor. O fundo escuro leva à noite, ao infinito. Uma conversa que começa com o silêncio. Sonia Gomes Pereira descreve: “A figura feminina olha diretamente para o espectador, de maneira enigmática, e tem nas mãos um papel, provavelmente uma carta, levemente amassada, numa clara alusão ao título da obra, Más Notícias. Seu vestido é brilhantemente pintado, realçando as cores – listras em branco e azul – e a textura do tecido e da renda de um pequeno xale”.

A obra Más Notícias, de Rodolfo Amoedo (1857–1941), é uma pintura a óleo (100 x 74 centímetros), de 1895. Integrou a Segunda Exposição Geral da Escola Nacional de Belas Artes (Enba). Hoje se encontra no Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro.

 

“No entanto, em 1888, há algumas décadas, essa visão dicotômica – entre modernismo e academicismo – tem sido questionada. Evidencia-se que não houve uma separação tão radical entre os artistas.”

Saudades, 1899 - Foto: Reprodução/extraída do livro "Más Notícias, de Rodolfo Amoedo"

A pesquisadora compõe com sensibilidade a história do pintor e a contextualiza com o momento político, econômico e cultural do século 19, tempo marcado por importantes eventos. Cita a Abolição da escravatura, em 1888, a Proclamação da República, em 1889, e as mudanças propiciadas pela economia do café.

“Foram grandes, também, as mudanças no campo artístico. Houve um significativo crescimento de jornais e revistas, muitas delas ilustradas, nos quais a crítica de arte passou a ter presença destacada. O mercado de arte cresce e surgem galerias que ampliam o espaço de exposições, antes limitado à antiga Academia Imperial de Belas Artes”, destaca Sonia. “Criada em 1816 e aberta em 1826, mesmo ela sofreu uma mudança significativa ao ser transformada na Escola Nacional de Belas Artes em 1890.”

Embora essas mudanças sejam importantes, a autora observa: “Mas meu interesse, aqui, é outro: a discussão das teorias e das práticas artísticas da época”.

 

 “A historiografia modernista da arte, que imperou por bastante tempo, estudou apenas os artistas e os movimentos diretamente ligados às vanguardas, limitando a elas o ingresso em uma genealogia de prestígio.” Sonia argumenta: “No entanto, em 1888, há algumas décadas, essa visão dicotômica – entre modernismo e academicismo – tem sido questionada. Evidencia-se que não houve uma separação tão radical entre os artistas e que tradição e modernidade muitas vezes conviveram ou mesmo se misturaram”.

A  nova concepção de arte do século 19, apresentada no livro, segundo a pesquisadora, interessa também para a análise da arte brasileira do mesmo período, em especial a pintura. “Assim, ao tratar de Más Notícias, além das informações relevantes sobre a obra e seu autor, meu objetivo maior é analisar a própria pintura e, através dela, apontar os caminhos artísticos que se apresentavam a Amoedo – assim como a seus contemporâneos pintores – no ambiente artístico brasileiro do final do século 19.”

 

Rodolfo Amoedo se manteve afinado com vários movimentos europeus modernos, entre os quais fez escolhas pessoais, produzindo algumas obras magníficas”

“Amoedo nasceu em 1857. Há controvérsia sobre o lugar de nascimento, se Salvador ou Rio de Janeiro, como ele declarou em sua matrícula na École des Beaux-Arts de Paris. É certo que passou a infância em Salvador, tendo vindo para o Rio em 1868, aos 11 anos. Entrou no Liceu de Artes e Ofícios em 1873. No ano seguinte, matriculou-se na Academia de Belas Artes”, conta Sonia, que, no decorrer do livro, vai apresentando a vida e a obra do pintor.

Rodolfo Amoedo –  Autorretrato, 1921

Porém, em uma narrativa inusitada, a autora liga a mulher da tela Más Notícias, com seu vestido brilhante, a outras figuras femininas, como o Retrato da Condessa de Keller, de 1873, pintado por Alexandre Cabanel (1823-1889), que foi mestre de Amoedo em Paris. Ou ainda a Senhorita Madeleine Brohan da Comédie Française, de 1860, de Paul Baudry, e a delicada Mulher com Leque, 1879, de Henri Gervex, entre outras. As obras vão sendo apresentadas com a história dos respectivos pintores. O leitor terá surpresas como a obra Saudades, de 1899, de Almeida Júnior, e ainda Interior com Menina Que Lê, de 1876-1886, de Henrique Bernardelli. 

Más Notícias faz parte desse grande grupo de pinturas do final  do século 19 que seguem o realismo tardio”, explica Sonia Gomes Pereira. “Estão presentes, nela, a identificação com o mundo contemporâneo e a possibilidade de o artista expressar, cada vez mais, o seu temperamento.”

“Ao menos em muitas de suas obras dos anos 1890, Rodolfo Amoedo se manteve afinado com vários movimentos europeus modernos, entre os quais fez escolhas pessoais, produzindo algumas obras magníficas, destaca a autora. 

Capa do livro Más Notícias, de Rodolfo Amoedo, de Sonia Gomes Pereira, primeiro volume da Coleção Prismas – Foto: Divulgação

Más Notícias, de Rodolfo Amoedo, de Sonia Gomes Pereira, Coleção Prismas, Editora da USP (Edusp), 128 páginas, R$ 86,00


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