Peça se inspira em “Antígona” para discutir a Lei da Anistia

Com enredo inspirado na obra de Sófocles, obra debate o esquecer ou o lembrar a violência da ditadura militar

 28/04/2023 - Publicado há 1 ano
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Peça em cartaz no Teatro da USP (Tusp) relaciona Antígona e a ditadura militar no Brasil – Fotomontagem: Jornal da USP – Imagens: Pixabay, New York Public Library e Arquivo Nacional

 

Até 14 de maio fica em cartaz no Teatro da USP (Tusp) a peça Um Memorial Para Antígona. A obra se inspira em Antígona, clássico da tragédia grega escrito por Sófocles em 442 antes de Cristo, para discutir a Lei da Anistia, sancionada em 1979, ainda durante a ditadura militar (1964-1985).

Produzida pelo grupo teatral Comitê Escondido, a peça começou a ser organizada em 2019, com estreia prevista para 2020. Porém, por causa da pandemia de covid-19, precisou ser adiada. “O adiamento nos permitiu trabalhar mais os conceitos dramatúrgicos que queríamos empregar, trazendo uma obra muito mais madura do que apresentaríamos em 2020”, explica Vicente Antunes Ramos, diretor e coescritor – ao lado de Miguel Antunes Ramos – de Um Memorial Para Antígona. Ele enfatiza o trabalho cooperativo que o Comitê realizou durante a preparação. “Nós iniciamos os ensaios com exercícios experimentais, sem um roteiro definitivamente escrito. Levamos fragmentos e ideias e, a partir desse improviso, a obra se solidificou.”

O diretor Vicente Antunes Ramos – Foto: Lattes

Para Ramos, o processo de produção também se deu num contexto histórico importante. O momento inicial da elaboração da peça se deu em 2019, o primeiro dos quatro anos do governo Bolsonaro, e a estreia, no dia 20 passado, ocorreu após o fim desse período. “Ouvimos na rua o grito ‘Sem anistia’, que reverbera a situação de 1979, mas relacionado ao ex-presidente. Se pensávamos, na peça, em olhar para o passado para refletir o futuro, agora o futuro na verdade é o presente.”

Para fazer a peça, o Comitê Escondido analisou – além da peça de Sófocles – os discursos de deputados e senadores nas sessões do Congresso Nacional que levaram à aprovação da Lei da Anistia, em 1979. Ao longo de quatro cenas, a obra traz depoimentos de políticos, de pessoas que foram torturadas e de familiares de desaparecidos durante a ditadura militar. Ao mesmo tempo, é retratada a história de Antígona, que se rebela contra a proibição de sepultar seu irmão, Polinices – e assim evitar seu esquecimento -, determinada pelo governante Creonte. “Os depoimentos ecoam na peça de Sófocles e vice-versa”, explica Ramos. “São duas linhas de dramaturgia que ocorrem simultaneamente.”

“Acredito que o Brasil é um país fundado numa ideia de esquecimento. Violências históricas são apagadas ou tiveram seu impacto reduzido com a utilização de eufemismos. Mas existe um movimento recente de olhar para essas violências e entender o resultado delas na sociedade, para assim construir um futuro possivelmente ideal”, acrescenta o diretor. 

Essa crítica ao esquecimento está presente já na primeira cena da peça, em que a Lei da Anistia e a história de Antígona se aproximam através do diálogo entre três personagens. “Eles discutem a necessidade de lembrar os horrores ou de esquecê-los e tentar fundar nossa democracia sobre o apagamento do trauma”, diz Ramos. Ao mesmo tempo em que se dá o diálogo, o palco é iluminado com a projeção de palavras-chave extraídas dos discursos de membros da Comissão Mista de Anistia, de 1979.

Em relação ao cenário, Um Memorial Para Antígona passou por alterações ao longo dos anos. Em 2020 estavam previstos um chão coberto por borracha e um pedestal para o monumento de Antígona, como pede a tragédia. Já em 2023 essas peças perderam o espaço para a simplicidade. Agora, o cenário é composto com sete cadeiras e um fundo. Nele são projetadas palavras relacionadas com a Lei da Anistia que, ao mesmo tempo, iluminam os atores, o que torna a peça mais dinâmica.

Cartaz da peça Um Memorial Para Antígona – Imagem: Divulgação

 

Um Memorial Para Antígona faz parte da mostra Teatro Pós-Trauma, do Tusp. Essa mostra propõe espetáculos que retratam momentos difíceis da história recente do Brasil. Além da obra escrita por Miguel Antunes Ramos e Vicente Antunes Ramos, conta com mais duas peças: Oresteia.br, da Prezada Companhia de Teatro, e Verdade, escrita e encenada por Alexandre Dal Farra.

A peça Um Memorial Para Antígona, do Comitê Escondido, está em cartaz até 14 de maio, de quinta-feira a sábado, às 20 horas, e domingos, às 18 horas, no Teatro da USP, localizado na Rua Maria Antonia, 294, Vila Buarque, região central de São Paulo (próximo às estações Santa Cecília e Higienópolis-Mackenzie do Metrô). O ingresso custa R$ 40,00 (inteira) e pode ser adquirido na plataforma Sympla e na bilheteria do Tusp. Mais informações estão disponíveis no site do Tusp.


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