Espetáculo no Tusp expõe a mecanização da língua

Peça aborda a crise da linguagem através de obras de Paulinho da Viola, Itamar Assumpção e Bertolt Brecht

 22/06/2017 - Publicado há 7 anos
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Ouça no link acima entrevista com o diretor José Batista (Zebba) Dal Farra, concedida no dia 21 de junho no programa Via Sampa, da Rádio USP (93,7 MHz).

Maria Simões e Zebba Dal Farra na Estação Casa do Bananal – Foto: Divulgação/João Gold

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A partir de 22 de junho, entra em cartaz no Teatro da USP (Tusp) a peça Roda das Vozes em Estado de Sítio. A montagem do grupo Ausgang de Teatro propõe uma reflexão sobre a mecanização da língua, a partir de uma roda de samba com canções de Paulinho da Viola e Itamar Assumpção e textos do dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht. A direção é de José Batista (Zebba) Dal Farra, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.

Partindo da Carta de Lord Chandos, texto do austríaco Hugo von Hofmannsthal sobre os limites da linguagem, publicado em 1902, o espetáculo investiga o que considera o esvaziamento da fala e a produção em larga escala de uma língua preocupada apenas com eficácia e transparência. “Estamos vivendo hoje uma objetivação da língua. A linguagem é lisa, sem espessura, estamos perdendo sua condição de risco e de afeto. A gente não fala, é falado”, reflete o diretor Dal Farra.

A saída para essa perda de discurso próprio, substituído por repetições do que está no ar, é a roda de samba. É isso que propõe a Ausgang, logo após o público se deparar com quatro atores recitando trechos da obra de Hofmanssthal. Desse prólogo, a plateia entra nas canções com Bebadosamba, composição de Paulinho da Viola.

“Essa música é uma evocação do samba, diz que a música é uma espécie de remédio”, aponta Dal Farra. Dos versos de Paulinho da Viola, o espetáculo se apega à polissemia da palavra “chama”. Verbo de encontro, substantivo que alimenta e cresce, o vocábulo é a palavra em estado de risco e poesia. Exatamente o objeto perseguido pelo grupo.

Em seguida vem Yaô, o samba de Pixinguinha e Gastão Viana sobre os iniciados do candomblé, que se transforma na iniciação do público à roda. O espetáculo segue então entremeando momentos de fala com músicas de Itamar Assumpção e Bertolt Brecht. Do dramaturgo e poeta alemão, surgem suas parcerias com Kurt Weill (Tubarão Paulistano) e Hanns Eisler (Canção da Oferta e da Procura). O próprio Dal Farra trabalha sobre um poema de Brecht em Oh Fallada.

Não é só a metalinguagem que torna a música veículo para a discussão proposta, mas também a visão do grupo sobre o papel da canção popular na identidade brasileira. “A roda ensina muito. Se fossem perdidos todos os documentos históricos e ficassem só as canções, você poderia traçar uma história do Brasil no século 20 a partir delas”, afirma o diretor.
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A atriz e cantora Maria Simões – Foto: Divulgação/João Gold

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A roda de samba não é um formato novo para o coletivo. Há cerca de dez anos, quando o núcleo da Ausgang ainda se chamava Grupo dos 7, Dal Farra começou o Samba do Caixote, que misturou a arena teatral à tradicional roda. A vivência continuou com a Ausgang, agora na Estação Casa do Bananal, espaço aberto na própria casa do diretor e de sua esposa, a atriz e cantora Maria Simões, que também está na Roda das Vozes em Estado de Sítio.

A junção da música com a problematização da fala veio em 2013, no próprio Tusp. A partir de um trabalho realizado pela Ausgang com professor espanhol Jorge Larrosa Bondía, surgiu o embrião de Roda das Vozes em Estado de Sítio. “Nós fizemos um laboratório chamado Palavra Muda e dentro dessa experiência Larrosa trouxe a reflexão da mecanização da linguagem. Então, a gente viu que podia juntar vários textos e canções dentro dessa reflexão da palavra”, explica o diretor.

Dal Farra faz questão de pontuar, contudo, que o grupo não se coloca fora dos problemas apontados. A montagem não busca ser análise fria ou lição de moral, mas um processo de identificação de questões comuns e apontamentos para sua superação. “Estamos todos em estado de sítio, todas as nossas vozes. Todos estamos num lugar muito sitiado da palavra”, conclui.

Roda das Vozes em Estado de Sítio tem no elenco Maria Simões, Carolina Martins, Beto Siqueira, Luan Braga, Macalé, Pedro Teixeira, Renan Abreu e Zebba Dal Farra. O espetáculo fica em cartaz de 22 de junho a 19 de julho, às 21 horas, no Tusp (Rua Maria Antonia, 294, na Vila Buarque, em São Paulo). Para mais informações acesse www.usp.br/tusp.


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