O teatro perde seu mestre mais exigente

O rigor, aliado ao talento e à criatividade extrema, foi uma das marcas de Antunes Filho, morto aos 89 anos

 03/05/2019 - Publicado há 5 anos
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Ministério da Cultura celebra a Ordem do Mérito Cultural 2013 a Antunes Filho – Foto: Elisabete Alves / MinC via Wikimedia Commons / CC BY 2.0

Sem querer ferir suscetibilidades, pode-se dizer que o teatro brasileiro, em sua essência, se formou baseado em um tripé: Augusto Boal, José Celso Martinez Correa e Antunes Filho. O primeiro, com seu Teatro do Oprimido, tinha como objetivo a democratização dos meios de produção teatral, o acesso das camadas sociais menos favorecidas e a transformação da realidade através do diálogo. Zé Celso, com seu eterno tropicalismo (com pitadas de escatologia), balançou – e ainda tenta balançar – os alicerces do palco com peças como O Rei da Vela e Roda Viva. E Antunes Filho, que morreu na noite da última quinta-feira, dia 2, em São Paulo, aos 89 anos, com seu rigor e criatividade.

José Alves Antunes Filho chegou a flertar com outra vida que não a dos palcos, e entrou na Faculdade de Direito da USP. Mas o apelo do Largo São Francisco não foi páreo para aquele exercido pelo teatro e ele foi estudar Artes Dramáticas. Antunes Filho fez parte da primeira geração de encenadores brasileiros dissidentes do pioneiro Teatro Brasileiro de Comédia, o mítico TBC. Lá, em 1952, ele foi assistente de direção e trabalhou com diretores estrangeiros – como Ziembinski e Adolfo Celi -, que não só influenciaram toda uma geração como também inocularam um extremo profissionalismo aos palcos brasileiros.

Sua estreia na direção foi em 1953, quando encenou a peça Week-End, do inglês Noël Coward. Cinco anos depois, criou a companhia Pequeno Teatro de Comédia e dirigiu o espetáculo O Diário de Anne Frank, que lhe rendeu prêmios da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) e da Associação Carioca de Críticos Teatrais (ACCT). Antunes ficou na companhia até o início dos anos 60, quando voltou ao TBC. Foi justamente nessa época que sua busca pela perfeição e pela disciplina dos atores lhe deram a fama que levou por toda a vida: a de diretor muito exigente.

Nelson e Macunaíma

Na década de 1960, Antunes Filho encontrou aquele que talvez tenha sido o autor que mais encenou e que lhe proporcionou um reconhecimento cada vez maior: Nelson Rodrigues. Ele dirigiu A Falecida e Bonitinha Mas Ordinária nos palcos e, não satisfeito, fez uma aplaudida – e nada simples – adaptação televisiva de Vestido de Noiva para a TV Cultura.

Mas, se Nelson lhe pavimentou o caminho, foi com Mário de Andrade, outro ícone da cultura nacional, que Antunes Filho ganhou maior prestígio como diretor. Sua montagem de Macunaíma, em 1978, foi um sucesso – e rende comentários e debates ardorosos até hoje. Ali ele mostrou como seu trabalho era fortemente ligado à renovação estética, política e cênica do teatro brasileiro surgido nos anos 1960 e 1970. E a encenação de Macunaíma tornou-se referência para a geração que o sucederia, nos anos 1980. Foi justamente com esse trabalho que Antunes Filho impôs definitivamente sua assinatura, tornando-se o primeiro diretor a empreender uma obra dramatúrgica e cenicamente autoral. “Macunaíma inaugurou um modo de ver teatro no Brasil, uma perspectiva, uma linha de fuga do teatro que eu fazia”, afirmou ele em entrevista à Rede Globo em 2013. A peça foi encenada 876 vezes.

Não à toa, o grupo teatral que ele viria a criar levou o nome do indolente personagem de Mário de Andrade. O Grupo Macunaíma se tornou uma referência no teatro nacional.

Antunes Filho – Foto: Reprodução Programa Roda Viva via Agência Brasil

O ator como meta

Inspirado no Macunaíma, Antunes Filho criou em 1982, com o apoio do Sesc, o Centro de Pesquisa Teatral (CPT), escola de formação e grupo permanente – uma derivação do grupo original -, que dirigiu até a sua morte. A partir daí, as atividades do Grupo Macunaíma e do CPT se confundem e se unificam. E sempre voltadas para aquilo que Antunes Filho via como missão das mais instigantes: a formação do ator.

Era a busca, segundo explicou, por verticalizar a interpretação dos atores, desde sempre. Essa era a tônica do projeto, e toda a atenção de Antunes Filho esteve dirigida para a superação dos padrões usuais. Ele almejava um ator expressivo que, participando de um coletivo de trabalho, estivesse disponível para experimentos, mudanças de rumo ao longo do processo e dedicação ao seu ofício. Entre os atores que ele formou ou influenciou, contam-se nomes como Eva Wilma, Stênio Garcia, Raul Cortez, Giulia Gam, Alessandra Negrini e Camila Morgado.

“O ator é uno. E é um estrangeiro também, está sempre trabalhando nos seus limites. Tudo o que se faz no CPT com os exercícios e as técnicas busca a totalidade da relação fisiológica, imagética e, lá na frente, espiritual do ator”, contou ele, também em 2013.

Para homenagear Antunes Filho, o programa Via Sampa, da Rádio USP, ouviu a professora Silvana Garcia, da Escola de Arte Dramática (EAD) da USP. Clique no link abaixo para ouvir a íntegra da entrevista.

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