Biblioteca Brasiliana da USP se despede de Cristina Antunes

Curadora da coleção de José Mindlin durante mais de três décadas morreu no dia 26 de março passado

 29/03/2019 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 01/04/2019 às 17:06
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Cristina Antunes, curadora da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP, que morreu no dia 26 de março – Foto: Maria Leonor de Calasans via IEA

Curadora da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP desde 2013, Cristina Antunes morreu no dia 26 de março, aos 68 anos. Durante 34 anos, metade de sua vida, Maria Cristina Carvalho Antunes administrou a coleção do bibliófilo José Mindlin (1914-2010), antes da transferência dessa coleção para a Cidade Universitária, e depois continuou seu trabalho na biblioteca, sendo, provavelmente, quem mais conhecia aquele acervo. Ela dizia que Mindlin “queria inocular o vírus da leitura em qualquer pessoa que se aproximasse dele” e que a maior vontade do bibliófilo era “deixar algo para futuras gerações”.

A coleção brasiliana de Mindlin e de sua esposa Guita, reunida ao longo de mais de 80 anos, apresenta 32,2 mil títulos, que correspondem a 60 mil volumes – dos quais cerca de 3 mil títulos estão disponíveis para livre acesso e download.

No livro Memórias de uma Guardadora de Livros, que publicou em 2004 pela Imprensa Oficial e Escritório do Livro, Cristina passeia pelas prateleiras da Biblioteca Mindlin, contando histórias sobre esta que é considerada a mais importante coleção do gênero formada por particulares.

No livro, em entrevista a Cleber Teixeira e Dorothée de Bruchard, Cristina fala de sua trajetória, do seu cotidiano em uma biblioteca que acolhe pesquisadores do mundo inteiro e da qual era conservadora, além de refletir sobre seu ofício e aprendizados ao lado de Mindlin. Ela conta como seu trabalho estava dividido em dois momentos distintos: o primeiro, quando trabalhou durante anos sozinha na biblioteca, “o momento de maior aprendizagem”, e o segundo, quando a biblioteca foi ficando conhecida e cada vez mais procurada por pesquisadores e especialistas, trazendo “uma enorme possibilidade de troca”. Conta também que “a dinâmica da biblioteca se confunde com a dinâmica da família, se confunde com a dinâmica da casa”.

A Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin da USP – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Para Cristina, a Biblioteca Mindlin tem um caráter bem diferente, um caráter público, de centro provedor de informação. “Talvez esse seja o seu grande diferencial. Conhecemos muitos colecionadores que formaram bibliotecas particulares fantásticas, mas liberar o seu acervo para ser consultado, querer que o livro seja lido, estudado, conhecido — acho que esse é o ponto que distingue a biblioteca onde eu trabalho”, escreveu, ressaltando ainda que a postura de José Mindlin – e também a dela mesma – sempre foi de que “conhecimento é para ser partilhado”.

Memórias de uma Guardadora de Livros foi lançado em uma caixa ao lado de Memórias Esparsas de uma Biblioteca, de José Mindlin, comemorando na época os mais de 20 anos de parceria entre ambos. Ainda lançou, pelo selo BBM, Rubens Borba de Moraes: Anotações de um Bibliófilo. Com mais de 1.700 títulos, a biblioteca de Rubens Borba de Moraes – amigo e interlocutor de Mindlin – faz parte atualmente do acervo da BBM.

Graduada em Educação, com especialização em Ciência da Informação pela Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), nos Estados Unidos, e em Paleografia pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, Cristina também trabalhava como paleógrafa e tradutora. Não tinha formação em Biblioteconomia, e afirmava que era bibliotecária de paixão, de cuidado com o livro, dividindo com Mindlin o amor aos livros.

Apaixonada pelos livros

“Encontrei a Cristina Antunes pela primeira vez quando estive pesquisando na casa do José Mindlin. Mas a conheci, de fato, há três anos, quando trabalhamos juntos, já na Biblioteca Brasiliana Mindlin”, conta o diretor da BBM, professor Carlos Alberto Zeron. “Cristina era uma pessoa apaixonada pelos livros, muito especialmente pelos livros guardados na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, dos quais conhecia cada detalhe singular:  histórias de como chegaram ao acervo, cor, textura e, claro, seu conteúdo. Pois Mindlin só trabalhava com quem gostasse de livros, com quem os lesse. Por ter convivido tão amorosamente com os livros, quase até o ciúme, esse conhecimento conferia-lhe muita competência, de modo que todos nós, colegas ou pesquisadores, a consultávamos sempre e sobre tudo o que concernia ao acervo.” Para Zeron, a morte da Cristina significa uma perda muito grande, “não apenas porque era uma pessoa querida, mas também porque tinha uma experiência imensa. Ela sempre foi muito generosa em partilhá-la conosco. Precisaremos de tempo tanto para assimilar essa perda como para tentar ombrear o saber prático que ela acumulou sobre o acervo da Brasiliana”.

O professor Plinio Martins Filho, editor das Publicações BBM – o ramo editorial da Biblioteca Brasiliana -, conhecia Cristina desde a década de 80, quando ela já trabalhava com Mindlin. “Ela era a memória da biblioteca, acompanhou a formação da biblioteca na casa de Mindlin e a sua transferência para a USP”, relata, acrescentando que ela viveu em função da biblioteca quase toda a sua vida profissional. Segundo o professor, era uma parceira na biblioteca, muito competente e solícita em tudo que se precisasse em relação ao acervo. “É uma falta muito grande para o livro.”

Segundo a pesquisadora Sônia van Dijck, doutora em Letras pela USP, que publicou uma resenha de Memórias de uma Guardadora de Livros no Correio das Artes, suplemento literário do jornal paraibano A União, “Cristina viajou, conheceu bibliotecas, estudiosos, escritores; informou-se acerca das novas tecnologias; buscou sempre melhor servir à biblioteca”. “Sua comunhão com a biblioteca é notável. Sei que nós outros pesquisadores dela muito pedimos; mas sei que sua boa vontade e seu entusiasmo por nossas pesquisas são infalíveis. Se Cristina pôde fazer amizades que lhe são queridas, os pesquisadores têm oportunidade de conhecer uma profissional que sabe o caminho das pedras e nos trata com respeito”, escreveu.

 


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