O Brasil caminha para a marca das 100 mil mortes provocadas pela covid-19, atingindo o segundo lugar em maior número de vítimas no mundo. Os Estados Unidos lideram o número de casos da doença e de mortes. Baseado em ações de países que obtiveram maior eficiência no controle da pandemia e em orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Instituto de Saúde Global de Harvard, pesquisadores da Rede de Pesquisa Solidária (RPS) acreditam que, embora os resultados sinalizem a gravidade da situação, há políticas que ainda podem ser adotadas para melhorar a resposta da sociedade à pandemia.
O Boletim nº 18 da rede traz como desafio o avanço do debate público no que diz respeito a trabalhar as razões que fizeram chegar a esse número de óbitos. Na opinião dos pesquisadores, as políticas públicas adotadas pelos governantes brasileiros falharam, em algumas regiões. A flexibilização foi precipitada e houve pouca adesão da sociedade ao distanciamento social.
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A Rede de Pesquisa Solidária adaptou critérios do Instituto de Saúde Global de Harvard e avaliou os riscos de agravamento da pandemia no Brasil com base nos dados das secretarias estaduais de saúde na média de novos casos de covid-19, entre os dias 19 e 25 de julho. Os resultados indicam que todos os Estados brasileiros se encontram nas duas zonas mais elevadas dos quatro níveis de risco possíveis.
Os trabalhos do Instituto de Harvard sugerem também medidas de controle da pandemia que deveriam ser adotadas a partir da situação de risco alcançada. Assim, os Estados que se encontram no nível verde, com a pandemia mais controlada, estariam no caminho adequado de contenção da transmissão da doença e poderiam, portanto, flexibilizar as medidas de distanciamento social, embora mantendo a testagem e o rastreamento de contatos. De modo distinto, a cor vermelha representa as situações de risco alto, em que a pandemia ainda não foi controlada. Neste caso, os Estados são aconselhados a adotar políticas mais rígidas de distanciamento social para que as pessoas permaneçam em casa e a transmissão da doença se reduza. No mesmo sentido, a cor laranja foi utilizada para os Estados ameaçados de elevação dos níveis de transmissão da covid-19, com potencial para retornar ao nível de risco mais elevado.
Testagem como estratégia dos Estados
para controlar a pandemia
Segundo orientações da OMS e do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC, 2020), o controle da pandemia depende diretamente da massificação de testes que subsidia, inclusive, as decisões sobre medidas não farmacológicas de controle da doença.
Conforme apresentado na Tabela 3, nenhum Estado brasileiro obteve a taxa de positividade sugerida pela OMS, de 5%, tanto em relação aos testes totais realizados quanto aos testes RT-PCR. Destaca-se também que os resultados referentes à positividade de testes RT-PCR são superiores à positividade dos testes totais em todos os Estados, exceto Pará e Tocantins. Em relação aos dispêndios com testes moleculares RT-PCR na composição das despesas estaduais relativas à testagem por covid-19, é possível observar que sete Estados não apresentaram informações sobre gastos com testes (valor zero na tabela 3). Nove estados realizaram despesas superiores a 50% dos gastos informados (Goiás, Minas Gerais, Paraná, Acre, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Ceará, Santa Catarina e São Paulo). Os demais Estados claramente priorizaram os testes sorológicos, capazes de detectar quem já manteve algum contato com o vírus e produziu anticorpos e não pessoas infectadas.
Ao se analisar as normativas emitidas pelos gestores estaduais, foi observado que somente seis Estados (Paraná, Santa Catarina, Alagoas, Ceará, Goiás e Distrito Federal) apresentaram normativas referentes ao uso de testes como instrumentos de vigilância epidemiológica, além de orientar quais grupos devem ser prioritários na testagem e o aumento na disponibilidade de testes covid-19. Destaca-se que todos os Estados emitiram majoritariamente normativas referentes ao aumento na disponibilidade de testes, principalmente devido à compra de testes e insumos, exceto Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Norte. O Tocantins não emitiu normativa sobre testagem no período analisado.
[Ouça entrevista de pesquisadores da Rede Solidária ao Jornal da USP no Ar:]
Estratégias para diminuir a velocidade
de transmissão
A Rede de Pesquisa Solidária tem alertado para as consequências da ausência de uma estratégia nacional de contenção da pandemia e para a falta de coordenação entre o governo federal e os Estados, a começar pelo enfraquecimento das políticas de distanciamento físico. A Figura 3 atualiza a aplicação do índice de rigidez das políticas de distanciamento social para todos os Estados e o DF, desde o início de março até 20 de julho.
Adesão da população
às medidas de distanciamento físico
A análise da adesão da população às medidas de distanciamento físico baseou-se nos dados agregados de mobilidade que rastreiam a geolocalização de aproximadamente 60 milhões de usuários de smartphones em todo o Brasil fornecidos pela Inloco. Considerando a porcentagem de telefones celulares que permanecem na mesma localização geográfica durante o dia (das 6h às 22h) de onde estiveram durante a noite (das 22h às 6h). A figura 5 mostra a porcentagem de todos os celulares que estiveram em casa durante o dia por Estado, desde março até 20 de julho.
Em todos os Estados houve um salto no número de pessoas que permaneceram durante o dia no mesmo local em que estavam à noite, na primeira semana após o início das medidas de distanciamento social. No entanto, de forma contraintuitiva, verifica-se que este porcentual não foi maior nos Estados que implantaram políticas de distanciamento mais rígidas.
A figura 6 apresenta as médias do Índice de Rigidez de Políticas de Distanciamento Social (RPDS) e da mobilidade dos indivíduos durante o dia, com relação à média móvel de mortes por 100 mil habitantes nos 26 Estados e no DF. Os Estados adotaram políticas moderadas para aumentar o distanciamento físico em março. Porém, apesar do crescimento da pandemia, ao invés de ampliarem as medidas, os governos estaduais, de forma geral, reduziram gradativamente as medidas ao longo do tempo, mesmo com a tendência nacional de crescimento acentuado nas mortes.
A Rede de Pesquisa Solidária é uma iniciativa de pesquisadores para calibrar o foco e aperfeiçoar a qualidade das políticas públicas dos governos federal, estaduais e municipais que procuram atuar em meio à crise da covid-19 para salvar vidas. O alvo é melhorar o debate e o trabalho de gestores públicos, autoridades, congressistas, imprensa, comunidade acadêmica e empresários, todos preocupados com as ações concretas que têm impacto na vida da população. Trabalhando na intersecção das Humanidades com as áreas de Exatas e Biológicas, trata-se de uma rede multidisciplinar e multi-institucional que está em contato com centros de excelência no exterior, como as Universidades de Oxford e Chicago.
A coordenação científica está com a professora Lorena Barberia, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. No comitê de coordenação estão: Glauco Arbix (FFLCH e Observatório da Inovação), João Paulo Veiga (FFLCH), Graziela Castello, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Fábio Senne (Nic.br) e José Eduardo Krieger, do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). O comitê de coordenação representa quatro instituições de apoio: o Cebrap, o Observatório da Inovação, o Nic.br e o Incor. A divulgação dos resultados das atividades será feita semanalmente através de um boletim, elaborado por Glauco Arbix, João Paulo Veiga e Lorena Barberia. São mais de 40 pesquisadores e várias instituições de apoio que sustentam as pesquisas voltadas para acompanhar, comparar e analisar as políticas públicas que o governo federal e os Estados tomam diante da crise.
As notas anteriores estão disponíveis neste link.