De acordo com dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade, criado pelo Ministério da Saúde, somente em 2013 foram registradas 8.710 fatalidades causadas pelo câncer de pâncreas no Brasil. Considerado por especialistas um câncer de difícil detecção, sua alta taxa de mortalidade pode ser quase sempre explicada por conta de seu comportamento agressivo e, em especial, seu diagnóstico tardio.
Com esses fatos em mente, pesquisadores do campus de São Carlos da USP trabalham na criação de técnicas inovadoras para a detecção precoce de diversos tipos de câncer. Na tese Filmes nanoestruturados aplicados em biossensores para detecção precoce de câncer de pâncreas, o físico Andrey Coatrini Soares desenvolveu uma solução utilizando nanomateriais de baixo custo que, em breve, podem auxiliar profissionais de saúde em todo o País.
Membro do Grupo de Polímeros do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, Soares contou com a experiência de colegas na construção dos chamados biossensores, pequenos dispositivos que utilizam componentes biológicos como elementos de reconhecimento. O primeiro deles, elaborado por pesquisadores do grupo, foi desenvolvido para diagnosticar o câncer de mama.
Utilização de biossensores
A partir da descoberta de que o câncer de pâncreas tem uma alta taxa de mortalidade aliada a problemas em sua detecção precoce, o físico começou seu trabalho. Utilizando os chamados filmes de Langmuir – filmes com espessura de apenas uma molécula que se formam em uma interface líquido-gás – pesquisadores conseguem estudar a interação de materiais com uma membrana celular e, com isso, “podemos estudar medicamentos que possam agir na membrana celular e isso se tornar um antibiótico, por exemplo”, explica ele.
Com essa base são criados os biossensores, que estruturalmente são compostos de duas partes. “Você tem a chamada camada ativa e um elemento de transdução. O transdutor é algo que consegue ler a interação da camada ativa e transforma isso num sinal mensurável”, lista Soares. “A camada que você coloca, por exemplo, num eletrodo vai ser a responsável por identificar o que queremos medir, no caso, o câncer”, esclarece. Fazendo testes com amostras de sangue – depositadas nos biossensores – cedidas pela equipe do Hospital do Câncer de Barretos, o físico confirmou em sua tese que a identificação de pacientes com os biomarcadores tumorais foi bem-sucedida. No futuro, “pretendemos fazer um biossensor implantável. Para ficar dentro do organismo e o paciente não ter problemas”, prevê o pesquisador.
De acordo com o especialista, cada tipo de câncer desenvolve uma proteína, e é ela que indica para o médico se a pessoa possui um câncer. “E essa proteína só interage especificamente com um anticorpo metabolizado dentro do organismo, que a desenvolve para combatê-la”, salienta.
Criados graças à nanotecnologia, os filmes são muito mais finos que um fio de cabelo e neles são depositados diferentes materiais para que se forme uma superfície, “um ambiente favorável para que a camada ativa funcione”, destaca Soares.
Em especial, nestes experimentos os pesquisadores optaram por materiais fáceis de ser extraídos e biodegradáveis. No caso da tese de doutorado, os materiais utilizados foram a quitosana e a concanavalina A. A quitosana é um polissacarídeo que pode ser extraído da carapaça do camarão. Já a concanavalina A é uma proteína extraída do feijão-de-porco, uma planta amplamente cultivada em países tropicais como cobertura verde.
“A associação dos dois cria o filme, uma película bem fininha, que gera um bom ambiente para que a camada ativa seja ativada”, revela Soares. A partir da associação entre filme, anticorpo e eletrodo é criado o biossensor. Em testes para diagnóstico, “o sangue do paciente interage com o eletrodo nos filmes, gerando um sinal que a gente avalia de acordo com as nossas calibrações para identificar os biomarcadores tumorais”, esclarece o cientista.
Do laboratório para o mundo
Com uma parceria com o Hospital de Câncer de Barretos, especialistas do grupo avaliam que sua técnica pode aumentar consideravelmente as chances de pacientes serem diagnosticados com câncer de pâncreas mais cedo e com menor custo. “O diagnóstico hoje tem um teste laboratorial, o ELISA, que é direcionado para o biomarcador do câncer de pâncreas e vários outros”, revela Soares. O teste, apesar de ser bastante sensível e funcionar bem, possui um custo alto comparado à nova técnica. “Nosso teste pode chegar a custar menos de R$ 5,00”, afirma. Entretanto, a implementação da técnica em hospitais ainda demanda inúmeras etapas.
“A implementação ainda requer tempo porque precisamos patentear essa tecnologia e, para entrar com a patente no mercado, precisamos fazer muito mais testes”, aponta o pesquisador. Conforme Soares, uma dissertação exige em torno de 20 a 25 testes para a confirmação de uma tese, mas para comercialização é preciso elaborar testes em humanos, realizados dentro de hospitais.
No grupo já foram desenvolvidos biossensores para câncer de mama, pâncreas e de cabeça e pescoço. Além deles, pesquisadores estão realizando estudos iniciais para mais dois tipos de biossensores para detectar o HPV.
O doutorado foi orientado pelo professor Osvaldo Novais de Oliveira Junior, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, e pode ser acessado neste link.
Mais informações: e-mail andrey.soares@usp.br, com Andrey Coatrini Soares