Retorno à estética dos anos 2000 supervaloriza a magreza

A volta da estética dos anos 2000, também conhecida como Y2K, é apontada por especialistas como política de tendências econômicas e perpetua magreza como padrão de beleza

 19/06/2023 - Publicado há 11 meses     Atualizado: 21/06/2023 as 8:33
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A Y2K é famosa pelo jeans de cós baixo, uso de gravatas, sobreposição de roupas, o all jeans e a blusa cropped – Foto: Reprodução/Freepik
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A camisa baby look, as minissaias, o mix de estampas e o jeans de cintura baixa. Roupas que fizeram sucesso na época em que a banda Destiny’s Child ainda existia e a socialite Paris Hilton era perseguida por fotógrafos estão retornando. A volta da estética dos anos 2000, também conhecida como Y2K, seja em roupas, maquiagens, acessórios ou penteados não se limita apenas a um jeito específico de se arrumar, essa tendência traz consigo uma problemática: a supervalorização da magreza. 

Não é surpreendente para muitos profissionais do ramo da moda que o retorno dessa tendência tenha ocorrido, como apontado pela graduada em moda e varejista com sete anos de experiência, Laís Franciosi. Ela explica que esse retorno pode ser atribuído ao ciclo de 20 anos, no qual as modas do passado ressurgem. Segundo ela, isso não ocorre por coincidência, mas sim porque a geração atual desenvolve uma visão romântica das memórias de infância e deseja resgatá-la novamente.

Suzana Helena Avelar – Foto: Arquivo Pessoal

Professora no curso de Têxtil e Moda da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, Suzana Helena de Avelar estabelece uma conexão entre o apego emocional ao passado e a aspiração pelo futuro como forma de explicar o ressurgimento das tendências. “É um hábito que tem funcionado, pois permite resgatar referências passadas, criando um senso de reconhecimento e retomada, mas com uma nova interpretação, buscando promover uma sensação de novidade ao mesmo tempo que dispara uma memória.”

A moda, nesse sentido, é associada habilmente com a noção do tempo, segundo Suzana. “Dessa forma, é possível estabelecer um vínculo afetivo com algo conhecido, ao mesmo tempo em que se anseia por aquilo que está por vir.”

Sucesso e faturamento

Já o professor Antônio Takao, também professor de Têxtil e Moda da USP, comenta que o retorno da Y2K se refere à política de tendências na moda. “É criticamente necessário observar que tendências na moda são planejamentos comerciais e produção dirigidos ao consumo, apoiados por conhecimentos instrumentalizados a serviço do sucesso de vendas.” Takao ressalta que todo o processo é influenciado por investidores e organizações industriais, comerciais e financeiras com interesses privados em relação à venda em atacado, uma vez que há um retorno lucrativo em escala. 

Antônio Takao – Foto: Arquivo Pessoal

Ele analisa que, nesse processo, o comportamento dos consumidores é estudado a partir de variáveis como idade e gênero, localização, estilo de vida e comportamento cultural. Esses dados estão mais acessíveis atualmente devido às redes sociais, que também expõem os usuários a uma infinidade de influências provenientes de filmes, reality shows, influencers e propagandas. 

Esse conjunto de influências midiáticas acaba persuadindo o consumo imediato e o consumo futuro da moda, que são previstos e calculados de forma estratégica. “Portanto, as escolhas de consumo ao longo da vida do usuário, incluindo as opções de materiais e compras, não ocorrem de forma aleatória. As redes sociais desempenham um papel importante na criação de ciclos de consumo, estabelecendo um vínculo lucrativo com os usuários”, relata Takao.

Para Laís, essa estética tem diversos pontos positivos. “A oportunidade de brincar com cores, texturas, cortes diferentes, o uso de colares de miçanga, presilhas coloridas e maquiagens vibrantes. Mas essa tendência acaba trazendo distúrbios alimentares, formas irregulares de emagrecimento, dietas perigosas e a gordofobia.”

Takao explica esse tipo físico idealizado. Ele propõe uma digressão pela história da arte, percebendo uma intensa influência nos padrões de beleza atuais e aqueles vistos na cultura greco-romana. Ele alerta que a relação vertical na padronização dos modelos clássicos de beleza daquela época, como a supervalorização do biótipo magro, ainda persiste, pois ela se atrela à influência dos processos econômicos dominantes, fato que respinga na indústria da moda. “Pode-se observar que essa valorização autoritária e ilusória de modelo de corpo ideal compõe um discurso político estético dominante, que não fazia parte de culturas fora dos limites greco-romanos imperiais classificados”, observa o professor.

Laís Franciosi – Foto: Arquivo Pessoal

Laís comenta que foi adolescente durante os anos 2000 e que, nessa época, acreditava que a moda era uma forma de expressão, mas que aos poucos sua visão foi mudando. “Se a moda realmente fosse sobre liberdade de expressão, não existiria cautela ao escolher uma peça de roupa, mas existe. Seja por pressão social para se encaixar nos trends da moda, e conseguir likes na publicação do Instagram, ou por medo de sofrer algum abuso ao andar na rua com alguma roupa curta, ou um homem com uma roupa julgada feminina na boate à noite, a moda se tornou um instrumento de arrecadação de lucros.”


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