Cobrança de streaming por compartilhamento de senhas não tem base legal, afirmam especialistas

Professor da Faculdade de Direito (FD) da USP e coordenador do Procon de Ribeirão Preto alegam que taxa extra de R$ 12,90, implementada pela Netflix, em maio, configura infração de cláusula contratual

 28/08/2023 - Publicado há 8 meses
Por
A californiana Netflix passou a cobrar uma taxa adicional de R$ 12,90 a clientes que compartilharem senhas – Foto: Karolina Grabowska via Pexels

 

Logo da Rádio USP

Líder no ramo do streaming no Brasil, a Netflix recebeu críticas de usuários recentemente ao implementar uma taxa de R$ 12,90 a quem compartilhar senhas com pessoas de outras residências. Com média superior a 50 milhões de usuários mensais, a empresa tem quase o triplo da segunda colocada, segundo levantamento da empresa de análise de internet Comscore. A medida foi tomada em mais de 100 países pela gigante norte-americana. Em solo brasileiro, no entanto, ela é vista como uma infringência contratual, segundo especialistas.

Francisco Magno Neto – Foto: Reprodução/Prefeitura de Ribeirão Preto

De acordo com Francisco Mango Neto, coordenador da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor, o Procon, de Ribeirão Preto, é preciso estar claro e transparente, desde o princípio, se o usuário pode ou não compartilhar sua senha com outras pessoas. Além disso, o profissional lembra que o próprio assinante “pode inclusive ser de vários lugares, como ter alguns endereços, sendo casa de veraneio, local de estudo, moradia, até em viagem, no próprio celular. Então nós entendemos, hoje, que o contrato não balizava contra e poderia, sim, ter vários endereços”.

Em 2022, 75% dos brasileiros utilizavam serviços de streaming, segundo pesquisa feita pela plataforma Roku, dos Estados Unidos. Portanto, grande parte da população pode ter sido impactada de alguma forma pela cobrança adicional, o que, para o professor Roberto Augusto Pfeiffer, da Faculdade de Direito (FD) da USP, é uma modificação unilateral de cláusula contratual. “Passar a cobrar consequentemente, simplesmente por estar num CEP diverso da residência, configura uma infração a esta cláusula contratual anterior, e o Código do Consumidor impede a modificação unilateral do contrato.”

Ele acrescenta que, além disso, “vislumbra-se uma publicidade enganosa, uma oferta enganosa, pois é contrária à informação que sempre foi dada de que o consumidor poderia ter a Netflix em qualquer local, nada impedindo, por exemplo, que seja em um CEP diferente de onde ele reside”.

Essa cobrança pode ser revogada?

Recentemente, diversos Procons, incluindo o do Estado de São Paulo, instauraram processos administrativos para apurar a conduta da Netflix. A punição, de acordo com Pfeiffer, pode variar desde o fim da cobrança até uma multa milionária à empresa. “Em relação ao processo administrativo sancionatório, a Netflix pode vir a ser punida com multas que variam de acordo com a capitulação da gravidade, ou seja, em que gravidade o Procon colocar, e com o faturamento da Netflix. Mas podem chegar a um máximo de R$ 12 milhões”, explica.

Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer – Foto: FD-USP

O professor ainda recorda outro cenário, que envolve “a propositura, por uma entidade de proteção do consumidor ou por um Ministério Público, de uma ação civil pública, em que aí, sim, o juiz que tem esse poder determinasse a cessação da prática”. Por outro lado, o especialista menciona que, no âmbito das reclamações individuais, pode haver uma conciliação com a Netflix, o que cancelaria a mudança nos contratos dos consumidores.

Contudo, se não houver o entendimento entre assinantes e empresa, Mango enxerga um prazo incerto até a resolução. “Nós não temos como prever, porque os Procons municipais relatam esse problema aos Procons estaduais, que vão relatar à secretaria nacional e ela vai tomar essas providências. Mas é um prazo indefinido. Isso pode demorar um mês, dois meses ou três meses.”

Assim como o professor Pfeiffer, o coordenador do Procon de Ribeirão também enxerga que essa cobrança extra da Netflix caracteriza propaganda enganosa. “Tudo isso é contra a coletividade e está infringindo o artigo 20 do Código de Defesa do Consumidor, o qual também nos permite acionar o promotor de justiça, através do Ministério Público, e fazer com que eles voltem a não cobrar essa taxa extra de R$ 12,90.”

A voz do consumidor

Por se tratar de uma empresa de grande porte, muitos clientes podem não acreditar que têm um papel fundamental em toda essa polêmica. Para que a cobrança adicional seja revogada, no entanto, é essencial que o consumidor insatisfeito se expresse, sobretudo, porque os Procons estão autorizados a multar a empresa quando houver reclamação. “O que a gente indica é que as pessoas, os consumidores que se sentirem lesados, façam essa reclamação aos Procons municipais, para que a gente informe ao estadual, e ainda liguem no serviço de atendimento ao consumidor, registrando que não está autorizada essa cobrança de R$ 12,90 ou que eles entendem como um abuso essa cobrança”, recomenda Mango.

*Estagiário sob orientação de Ferraz Jr.


Jornal da USP no Ar 
Jornal da USP no Ar é uma parceria da Rádio USP com a Escola Politécnica e o Instituto de Estudos Avançados. No ar, pela Rede USP de Rádio, de segunda a sexta-feira: 1ª edição das 7h30 às 9h, com apresentação de Roxane Ré, e demais edições às 14h, 15h e às 16h45. Em Ribeirão Preto, a edição regional vai ao ar das 12 às 12h30, com apresentação de Mel Vieira e Ferraz Junior. Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo do Jornal da USP no celular. 


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.