Foto: Freepick
Quando o documentário indiano Absorvendo o tabu (Period. End of Sentence) ganhou o Oscar, em 2019, trouxe à luz a questão da pobreza menstrual, um problema enfrentado em várias partes do mundo. Na última quinta-feira, 7 de outubro, ao vetar a distribuição gratuita de absorvente menstrual para estudantes de baixa renda de escolas públicas e pessoas em situação de rua ou de vulnerabilidade extrema, o presidente Jair Bolsonaro atraiu mais uma enxurrada de críticas pela demonstração de falta de sensibilidade social. A distribuição de absorventes é considerada uma medida de baixo custo e capaz de promover grande melhora na qualidade de vida das pessoas que menstruam, tendo um enorme impacto social.
O relatório Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos, publicado pelo Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) em maio de 2021, já apontava que, segundo o senso comum brasileiro, a pobreza menstrual seria um problema de países muito mais pobres ou díspares em termos de desigualdade de gênero do que o nosso. Mas dados revelam que isso está muito distante da verdade — 28% das pessoas que menstruam não têm acesso a absorventes, e essa situação impacta não só na saúde, mas na vida escolar e profissional.
Professoras da USP de diversas áreas do conhecimento repercutiram o veto do presidente Jair Bolsonaro à lei que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (14.214/21). Veja as análises abaixo.
Indisposição de investir em políticas dos direitos femininos
“O problema da pobreza menstrual é um tema recente em termos de visibilidade pública […]. No entanto, a falta de frequentar uma escola enquanto menstruada por falta de absorventes é uma realidade presente na população mais pobre […]. Pesquisa divulgada em maio deste ano mostrou que 28% das mulheres brasileiras jovens deixam de ir à aula porque não conseguiram comprar um absorvente higiênico […] Desse total de mulheres, 48% disseram que tentaram esconder o real motivo da falta na escola, e isso tem um impacto no rendimento dessas meninas[…] Esse veto mostra uma indisposição desse governo de investir em políticas que tragam uma ampliação dos direitos das mulheres, inclusive sua participação no espaço público, seu direito à saúde e ao seu direito de estar confortável em todas as fases de sua vida.”
Maria Paula Panúncio Pinto
Professora da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP
Falta de capacidade cognitiva de se colocar no lugar do outro
“Me lembrou Piaget, que fala que, aos doze anos, somos teoricamente capazes de fazer uma operação mental, de nos deslocarmos do próprio umbigo para nos colocarmos no lugar do outro […]. Para mim esse veto representa falta de empatia, falta de conhecimento da realidade que o outro pode estar vivendo. Uma falta de noção do que é equidade, uma falta de noção de que a desigualdade é pandêmica no Brasil. A gente tem uma dívida a pagar por conta dessas iniquidades, dessas condições absolutamente desiguais em que algumas pessoas são obrigadas a se desenvolver, crescer e viver […]. Para mim é uma falta de capacidade cognitiva de se colocar no lugar do outro e entender o que o outro está passando […]. É triste, desgastante, a gente ter que passar por isso todo dia.”
Heloísa Buarque de Almeida
Professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP
Descaso total com as condições de vida esse veto revela
“Essa falta de absorventes para todo mundo revela a questão de como a pobreza aumentou no Brasil. Revela uma precariedade, que estão chamando de pobreza menstrual, mas eu acho que a gente pode pensar como um sinal terrível da desigualdade social em que a gente vive […]. O fato de as meninas não terem dinheiro sequer para comprar o absorvente revela uma situação de precariedade econômica, social, de sofrimento, de falta de infraestrutura […]. É uma situação grave, muito triste esse veto do Bolsonaro […]. Era um projeto de lei […] que apontava para um tipo de problema social muito grave que a gente tem e que, no limite, se trata de direitos humanos, especialmente direitos humanos […]. É uma situação muito grave no Brasil, e revela uma situação que a gente está vivendo de aumento da pobreza, de um descaso total com as condições de vida, que esse veto revela […] se trata de pensar em condições de existência na vida dessas mulheres de camadas populares.”
Regina Célia Fiorati
Professora da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP
Ele está favorecendo que essas mulheres possam adoecer
“O veto do presidente Jair Bolsonaro à distribuição de absorventes às mulheres em vulnerabilidade social repete a marca da necropolítica genocida que vem dando a tônica deste governo, desde o início de seu mandato […] através de ações deliberadas que têm colocado em risco a vida e a saúde da população brasileira […]. Primeiro, as ações contra as medidas de saúde pública impostas pela pandemia, pelo controle e enfrentamento. Segundo, ações claramente contra a vida de populações negras e principalmente populações indígenas, favorecendo o extermínio e o ataque a essas populações […]. Agora, com esse veto, coloca em risco a vida e a saúde de mulheres em vulnerabilidade social […] impedindo o acesso dessas mulheres a absorventes para garantirem a proteção higiênica […]. Portanto, ele está favorecendo que essas mulheres possam adoecer na falta de absorventes corretos […] utilizando outros materiais que podem levar a infecções e quadros muito graves em termos de saúde sexual e reprodutiva da mulher em geral.”
Elisabeth Meloni Vieira
Professora aposentada da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) e professora sênior da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP
Política de falta de sensibilidade e respeito à saúde e à vida
Colaboração: Rosemeire Talamone e Marcia Blasques