Inclusão, diversidade e respeito marcaram os Jogos Olímpicos de Tóquio. A edição de 2020 – disputada em 2021, por conta da pandemia de covid-19 -, entrou para a história com a primeira atleta transgênero a disputar os jogos. A responsável foi a neozelandesa Laurel Hubbard, que disputou a categoria acima de 87 quilos do levantamento de peso feminino.
Mas sua participação provocou polêmicas e discussões ao redor do mundo. Competidoras, rivais e outras personalidades esportivas criticaram sua classificação, alegando que a atleta teria vantagens sobre as outras, devido às suas condições biológicas. É que Laurel disputava competições na categoria masculina até os 30 anos de idade. Em 2013, aos 35 anos, fez sua transição de gênero. Sua participação em uma Olimpíada só foi conquistada neste ano, aos 43 anos – a atleta, inclusive, já anunciou sua aposentadoria.
Falta comprovação de vantagens das atletas transgêneros
“Não se tem comprovação de que atletas transgêneros tenham vantagens”, afirma Mariane Nunes de Nadai, professora do curso de Medicina da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP. Segundo ela, não existem estudos comparando uma atleta trans com uma atleta cisgênero, por exemplo. Além disso, para participar das Olimpíadas, Laurel precisou manter os níveis hormonais, de acordo com o estipulado pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), semelhantes aos de uma atleta cisgênero.
Em relação à época em que a atleta fez a transição – considerada tardia –, Mariane explica que pode haver interferência na formação de massa muscular e nos níveis de hormônios, existentes antes e após o procedimento, o que, em tese, favorece uma resposta muscular ao desempenho físico. “Mas ainda estamos engatinhando nessas pesquisas e não temos estudos comparando atletas que fizeram transição precoce e atletas que fizeram transição tardia.”
Atleta vira alvo nas redes sociais
Antes mesmo de sua participação, a esportista sofreu com duras críticas, especialmente nas redes sociais. Os comentários “são uma covardia”, avalia Cristiano Roque Antunes Barreira, psicólogo e professor da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEERP) da USP, para quem as críticas são precipitadas e sem embasamento. “A atleta transexual é uma mulher e obedece a um rígido protocolo de controle hormonal”, garante.
Barreira afirma que, “por mais que haja diferenças biológicas, essas condições não determinam, por si só, a chegada ao alto rendimento” e que as eventuais vantagens fisiológicas não definem o mérito esportivo, resultado do que o atleta foi capaz de fazer com seu corpo, com suas vantagens e desvantagens em sua história pessoal.
Momento histórico para o esporte
Para a professora Mariane, a participação de Laurel, mesmo que sem destaque nos jogos, representa “um grande passo para a inclusão de atletas com identificação sexual diferente do seu sexo biológico”. As pessoas transgênero, segundo a professora, lidam e convivem com o preconceito e a exclusão de partes da sociedade. Em muitos casos, esses atletas são obrigados a praticar esportes em grupos com os quais não se identificam.
Como o esporte olímpico “tem um papel ético-político icônico para a sociedade”, comenta o professor Barreira, a participação de Laurel na Olimpíada de Tóquio representa um acontecimento emblemático para o esporte e o mundo como um todo. “Essa participação é emblemática e eu não hesito em dizer que tem o poder de salvar vidas de quem se identifique e possa se mirar nessa conquista que é de todos nós e para todos nós.”
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