Pensão especial para beneficiar órfãos de mães vítimas de feminicídio é medida paliativa

Helena Regina Lobo e Debora Piccirillo avaliam a necessidade também de pensar em políticas voltadas para combater as causas da problemática, as quais vão muito além do aspecto puramente financeiro

 20/12/2023 - Publicado há 12 meses     Atualizado: 05/01/2024 às 11:04
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O Estado está falhando constantemente na proteção de uma parcela muito grande da população brasileira – Foto: Vecstock/Freepik

 

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Medida que estabelece uma pensão especial para órfãos – menores de 18 anos – de mães vítimas de feminicídio e com renda familiar per capita igual ou menor que 25% de um salário mínimo foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Casos em que houver indícios fundamentados da materialidade do feminicídio, mesmo que anteriores à data de publicação da lei, poderão receber o auxílio de valor máximo de um salário mínimo.

Além disso, autores, coautores ou participantes do crime não podem representar os órfãos para o recebimento da pensão. 

A nova lei de teor reparatório às vítimas diretas e indiretas da violência de gênero perpassa as ações determinadas no eixo de prevenção terciária do Pacto Nacional de Prevenção ao Feminicídio. Helena Regina Lobo Costa, professora da Faculdade de Direito da USP, explica que a medida não é apenas simbólica, mas com implicações práticas, a partir do apoio econômico. No entanto, especialistas apontam que a problemática envolve uma série de questões que também merecem atenção do Estado, como as políticas públicas de prevenção e solução do problema.

Violência de gênero no Brasil 

Helena Regina Lobo da Costa – Foto: FD/USP

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, houve alta de registros de todos os crimes quando se considera apenas as vítimas mulheres. Debora Piccirillo, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, avalia como esses índices alimentam a sensação de insegurança das mulheres na sociedade brasileira. 

“Essa alta é um indício de que as medidas de prevenção de violência de gênero e de proteção às mulheres são insuficientes”, afirma a pesquisadora. O Estado, responsável pela segurança da população, está falhando constantemente na proteção de uma parcela muito grande da população brasileira, na visão de Débora. 

A baixa presença de mulheres em cargos de poder no Judiciário também influencia a questão da violência de gênero e como ela é tratada pela justiça, segundo Helena. Trazer assuntos para a discussão e dar mais visibilidade para pontos específicos acerca da problemática são ações que podem ser favorecidas, a partir dessa maior presença. 

No entanto, ela ressalta que isso não significa que a participação dos homens deva ser excluída, pois se trata de um problema que exige a colaboração de toda a sociedade para uma mudança efetiva.

Impactos da medida 

Débora Piccirillo – Foto: Arquivo Pessoal

A lei sancionada auxilia diretamente sob o ponto de vista financeiro das famílias. Aparecida Gonçalves, ministra das Mulheres, afirma que as mulheres são maioria entre chefes de família no Brasil; com isso, Debora comenta que os crimes de feminicídio causam um grande impacto econômico nas famílias. “A medida é uma maneira de reconhecer o dever do Estado de priorizar as crianças, mas também é uma forma de reconhecer o papel do Estado na questão do feminicídio e de tentar atenuar minimamente essa carga financeira”, avalia a pesquisadora. Com um papel paliativo, assim, a pensão especial age no sentido de atenuar as consequências da violência. 

Todavia, é fundamental compreender que a extensão do problema vai muito além do financeiro. A frequente proximidade familiar entre o agressor e a vítima, por exemplo, é um aspecto importante ao se analisar os casos de feminicídio, uma vez que, na maioria dos casos, o pai é o assassino da mãe. Essa configuração implica um extremo impacto psicológico, principalmente na criança, e uma alteração na dinâmica familiar das vítimas. 

“Outras pessoas, em geral outras mulheres da família, terão que assumir o cuidado desses filhos e filhas, uma vez que o pai não vai poder desempenhar essa função, seja porque está preso ou foragido”, destaca a pesquisadora. Além disso, o impacto afetivo emocional para os parentes da vítima é inegável. Ao mesmo tempo em que essa pessoa está de luto pela perda, ela tem que assumir esse outro papel social de cuidadora, com todas as cargas e responsabilidades atreladas a ela. 

Barreiras 

Debora Piccirillo explica que, mesmo com os benefícios da medida, sua aplicação ainda não contemplará toda a extensão de famílias de baixa renda, uma vez que podem não se encaixar em todos os critérios da lei. “É uma medida paliativa para as famílias que sofreram essa perda que, muitas vezes, poderia ter sido evitada se as demais instituições e políticas estivessem funcionando adequadamente”, alerta a pesquisadora. 

Apesar da legislação e mecanismos de proteção das mulheres no Brasil, a professora Helena pontua que os principais desafios para sua implementação efetiva justificam-se pela falta de investimento e estrutura. Recursos de investigação de casos de feminicídio e estruturas de auxílio às vítimas são alguns dos aspectos afetados pela falta de orçamento. 

Debora adiciona às causas da fragilidade a falta de continuidade e de um plano de investimento no assunto que independa dos governos no poder, na medida em que a problemática exige uma mudança pensada a longo prazo. “A violência contra a mulher depende de uma alteração cultural e essa é sempre uma alteração muito difícil e que demora para acontecer”, comenta Helena. 

*Estagiária sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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