Considerado o livro inaugural da literatura afro-brasileira, por dar voz e atuação a personagens negras, o romance Úrsula, da maranhense Maria Firmina dos Reis, publicado em 1859, agora tem edição relançada com meticuloso estabelecimento do texto feito pela historiadora Maria Helena Pereira Toledo Machado. O romance figura entre as primeiras obras de autoria feminina do País. Para falar sobre o assunto, o Jornal da USP no Ar conversou com Maria Helena, responsável pela nova edição e também professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e do programa Ano Sabático, do Instituto de Estudos Avançados da USP.
O romance é considerado ultrarromântico, filiado a uma literatura abolicionista-sentimental. Seu enredo trata do amor entre Úrsula e Tancredo, jovens puros e altruístas, com as vidas marcadas por perdas e decepções familiares. Os dois se apaixonam, mas encontram empecilhos para concretizar esse amor. De acordo com a professora, foi publicado pela primeira vez em 1859 e republicado apenas em 1975. “Após essa data, nossas edições buscaram estabelecer o texto”, explica. Segundo ela, estabelecer um texto significa atualizá-lo para uma linguagem contemporânea, sem uma interpretação que deturpe a obra. A nova edição também conta com um ensaio introdutório e crítico da professora ao romance.
Maria Helena conta que o estabelecimento de um texto é um trabalho muito minucioso e ela se dedicou a isso durante meses, “para que o romance seja bastante legível, mas mantenha seu espírito de época”. Na época de seu lançamento, 1859, foi assinado por “uma maranhense”, publicado apenas em São Luís, no Maranhão, não chegou a circular e desapareceu. Apenas na década de 1970 foi encontrado um exemplar desse livro em meio a um lote de livros usados. O homem que comprou o lote, Horácio de Almeida, resolveu fazer estudos para descobrir quem tinha escrito a obra. Foi então que descobriram que era de autoria de Maria Firmina dos Reis, professora de uma pequena vila do Maranhão.
Maria Firmina era uma mulher negra, de família de poucas posses e filha ilegítima de pai negro. Não frequentou a escola e foi alfabetizada em casa com poucos livros. À época da primeira publicação, a escravidão ainda era forte no Brasil. Trata-se de um dos primeiros romances escritos por mulheres no Brasil e o primeiro romance a dar voz ao personagem escravizado. “Com esse engenho literário, ela funda a literatura afro-brasileira, que se caracteriza por ter personagens que veem o mundo a partir da perspectiva de africanos e afrodescendentes.”