Emoções como o medo e a esperança são ferramentas de mobilização de massas na política

Além desses sentimentos, o pânico moral, o viés de confirmação e as fake news são outros instrumentos utilizados em discursos políticos e campanhas eleitorais

 17/10/2022 - Publicado há 2 anos
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Os políticos com campanhas vitoriosas alternam entre o medo e a esperança para cativar o público – Foto: Fotos públicas e flickr – Fotomontagem Jornal da USP
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Desde o século 20, durante a ascensão do nazifascismo, pesquisadores estudam como as emoções se manifestam na política, tanto em grandes discursos quanto em períodos eleitorais. Segundo Antonio Euzébios Filho, professor do Instituto de Psicologia da USP, as emoções e a política são indissociáveis, já que fazem parte da natureza humana: “O afeto se manifesta nos encontros e a política é feita de encontros. Não dá para pensar política sem afeto. Isso foi sendo aprimorado ao longo dos anos com estratégias de marketing político”.   

Rodrigo Ratier, professor do Departamento de Jornalismo da USP, afirma que o contexto eleitoral é, por si só, um contexto de manipulação e instrumentalização das emoções, em que a política passa a ser um aspecto central e identitário da vida das pessoas.

As emoções polarizadas

No campo dos sentimentos predominantemente explorados, os especialistas enxergam que os políticos com campanhas vitoriosas alternam entre o medo e a esperança para cativar o público. Para Euzébios Filho, a extrema-direita geralmente se organiza pelo medo: “É o medo contra a destruição da família, contra o suposto comunismo que ronda o País. Por outro lado, você tem a esperança de melhorar, de um mundo melhor, de distribuição de renda. Eles [os dois afetos] aproximam as pessoas”. 

“O medo está relacionado com o temor de perder alguma coisa no campo conservador, porque o conservador quer conservar algo”, reitera Ratier. “A esperança, por outro lado, aponta para um projeto, para uma utopia, para mudanças positivas e, nesse sentido, eu acho que ela é uma emoção mais ligada ao progressista”, completa.  

A raiva e o medo foram emoções utilizadas por Fernando Collor quando chegou ao Planalto, já o ex-presidente Lula venceu em 2002 com um discurso cativado pelo entusiasmo e a esperança. A campanha Yes We Can, da eleição de Barack Obama, nos Estados Unidos, também foi marcada por afetos positivos. 

Mas, na opinião de Ratier, no momento atual global predominam as emoções negativas, pois a esperança é incerta e constrói futuros imaginários, já o medo trabalha com a atribuição de inimigos, contribuindo para que grupos radicais apareçam.

Outros instrumentos de mobilização

O jornalista também explica sobre o viés de confirmação e as bolhas sociais, ferramentas comuns na esfera dos coletivos políticos radicais: “Se a gente pensa nos algoritmos das redes sociais, programas de computador que decidem o que vai aparecer na nossa linha do tempo, a principal instrução deles diz respeito ao engajamento dos usuários. Se você interagiu com determinado tipo de conteúdo, mais conteúdos semelhantes a esse vão aparecer para você”. Isso se dá de forma com que o indivíduo fique enclausurado em uma comunidade que pensa semelhante a ele, o que pode levar ao pensamento radical.

Antonio Euzébios Filho – Foto: Reprodução

Outra artimanha utilizada é o pânico moral, uma mobilização dos afetos negativos no que se refere à moralidade e ao foro íntimo, como espectros da sexualidade chamados por grupos conservadores de “ideologia de gênero” como uma ameaça à sociedade e a religiões não cristãs. 

Euzébios Filho vê que o discurso de ódio proveniente de grupos extremistas pode avançar para a violência, tanto verbal quanto física, e afetar o psicológico das pessoas: “A polarização, geralmente, vem acompanhada de violência, e a violência traz medo, traz desgaste emocional, traz um estado de alerta e pode gerar trauma psicossocial, levando a pessoa ao isolamento ou a uma vida restrita a esses grupos homogêneos que concordam com ele [o indivíduo]”. 

O psicólogo ainda alerta para o uso das fake news, malabarismos da desinformação que são muito comuns no panorama atual de polarização política e que têm o poder de afetar o emocional humano. De acordo com ele, as fake news podem estar acompanhadas da difamação da imagem do inimigo, um ataque discriminatório com poder de afetar completamente a vida de uma outra pessoa. 

 


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