Universidade de São Paulo: Rumo à transição energética nos campi

Por Beethoven Narváez-Romo, Mayara Regina Munaro, Milena Cardoso de Freitas Murari, pós-doutorandos do USPSusten, da Superintendência de Gestão Ambiental, e outros autores*

 18/05/2023 - Publicado há 11 meses
Beethoven Narváez-Romo – Foto: Arquivo Pessoal

 

Mayara Regina Munaro – Foto: Arquivo Pessoal

 

Milena Cardoso de Freitas Murari – Foto: Arquivo Pessoal
A Universidade de São Paulo (USP), uma das dez universidades melhor conceituadas no que tange aos campi mais sustentáveis do mundo, continua promovendo um campo fértil para ações de desenvolvimento sustentável para a sociedade. Isto permite gerar processos e soluções justas, equitativas e escaláveis para responder aos desafios climáticos de um planeta em mudança. Dentre algumas das ações de desenvolvimento sustentável aplicadas nos campi, ações direcionadas à implementação de energias renováveis e edificações sustentáveis são alvo de pesquisas dentro do Programa USP Sustentabilidade (USPSusten), desenvolvido pela Superintendência de Gestão Ambiental.

O desenvolvimento dos campi precisa estar alinhado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e com a Política Ambiental da Universidade (Resolução nº 7465/2018), atendendo às premissas atuais de descarbonização. Essa liderança, nas instituições de ensino superior nacional e de países em desenvolvimento, deve abranger um processo colaborativo no desenvolvimento de um plano sustentável sistêmico, nas dimensões social, ambiental e econômica, inter e multidisciplinar, priorizando e valorizando o uso e aplicação do conhecimento científico produzido pela USP.

Dentre o escopo de uma edificação sustentável direcionada à descarbonização e à transição energética, conceitos relativos a edifícios “zero carbono” (net-zero carbon) e “de energia zero” (net-zero energy) estão cada vez mais em destaque em certificações e rotulagens ambientais. Essa visão requer ao menos uma estratégia tripla:

1) reduzir a demanda de energia e aumentar a eficiência energética,
2) descarbonizar o sistema de energia e
3) abordar o carbono incorporado armazenado em materiais de construção. Além disso, as edificações precisam ser descarbonizadas durante todo o seu ciclo de vida, ou seja, desde o estágio de concepção até o fim-de-vida, aumentando assim a resiliência dos edifícios.

Em termos de custos operacionais, de acordo com a Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação, destaca-se que o valor total pago em energia elétrica em 2015, apenas pelas Universidades Federais do País, foi em torno de R$ 430 milhões. Isto contribuiu com cerca de 9% dos gastos apurados em 2015, sendo assim um dos principais itens de custeio das instituições públicas de ensino superior. No caso da USP, o campus da Capital apresentou em 2019 (antes da emergência sanitária gerada pela covid-19) consumo mensal de energia elétrica em torno de 6,5 GWh, sendo que cerca de um terço do consumo usualmente é destinado ao acionamento dos sistemas de ar-condicionado. O custo do consumo mensal demandou R$ 3 milhões para o Estado, segundo informações da Prefeitura do Campus.

Nesse sentido, a USP já implementou projetos fotovoltaicos em alguns edifícios do campus. Entretanto, atualmente a geração fotovoltaica instalada no campus da Capital representa menos de 1,3% de toda a energia consumida em 2019, sendo a maior parte desta geração localizada nas instalações do Instituto de Energia e Ambiente (IEE).

Por esta razão, pesquisas no âmbito do Programa USPSusten estão sendo desenvolvidas junto ao Laboratório de Sistemas Fotovoltaicos do IEE com o intuito de avaliar o potencial fotovoltaico do campus através do uso de sistemas solares Building Applied (BAPV) ou Building Integrated (BIPV). Estudos em andamento têm demonstrado que os prédios da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), do Departamento de Engenharia Elétrica da Escola Politécnica (Poli), do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) e da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) têm o potencial de gerar 38%, 26%, 23% e 12% do consumo próprio, respectivamente, atingindo um Performance Ratio (PR) entre 75% e 80% a depender dos níveis de sombreamento e orientação dos telhados. Contudo, ressalta-se que algumas destas unidades precisam de reformas nos telhados de forma a permitir a instalação segura desses sistemas. Cabe mencionar que os estudos realizados não estão restritos às quatro unidades citadas. Ações semelhantes estão em andamento nos campi USP do interior e em outras unidades do campus da Capital.

Estudos que visam à redução do consumo elétrico para climatização também estão sendo foco de interesse, especificamente o uso da energia geotérmica superficial, que é a energia na forma de calor armazenada no subsolo. Para sua utilização é necessária a associação de uma bomba de calor aos trocadores térmicos instalados no solo, que pode ser utilizada para o aquecimento ou resfriamento dos edifícios.

Apesar do uso da energia geotérmica estar previsto no Plano Nacional de Energia (PNE) do Brasil para 2050 e já ser difundido em outros países, pouco se sabe sobre a sua aplicação em condições de solo e clima tropicais, onde a demanda é, na sua maioria, por resfriamento. No campus USP da Capital está em construção o Centro de Inovação em Construção Sustentável (CICS), no qual se pretende testar o uso da geotermia utilizando as estacas de fundação como trocadores de calor com o solo. Ensaios preliminares de troca térmica foram realizados e espera-se otimizar soluções de uso que buscam o equilíbrio das temperaturas do solo e maior eficiência do sistema em função da demanda térmica da edificação.

Além da implementação de energias renováveis nas edificações da USP, projetos relacionados com o gerenciamento dos resíduos também estão sendo investigados, visando também à conversão de energia. Uma das rotas é a geração de biogás, uma fonte de energia renovável e estocável, por meio da biodigestão anaeróbica dos resíduos orgânicos. O IEE possui uma planta de biogás em escala industrial para fins de produção de energia elétrica utilizando os resíduos gerados dentro do campus. A usina de produção de Bioenergia e Biofertilizantes conta com três biorreatores de 430 m3 cada e potência instalada de 330 kW. Com capacidade de receber aproximadamente 43 toneladas de resíduos de alimentos e podas, tem potencial de produção de 4.500 m³ de biogás por dia, podendo também receber resíduos orgânicos de seus arredores. A geração de energia é realizada de forma integrada à produção de energia solar.

A planta de produção de biogás, a ser inaugurada em meados de maio de 2023, encontra-se em fase de licenciamento junto ao órgão estadual Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) e já tem servido como vitrine para disseminação do conhecimento a respeito de biogás e desenvolvimento de pesquisa e inovação multidisciplinar com grupos diversos da Universidade. Sendo uma localidade estratégica para envolvimento de diversos stakeholders do setor, é um ambiente de formação de mão-de-obra capaz de expandir os resultados obtidos em quaisquer projetos.

O campus simula um ambiente urbano com todos os serviços e utilidades: restaurantes, circulação de frotas particulares e coletivas, geração de resíduos, moradia, bancos, entre outros. Tornando esse, portanto, um ambiente propício para simulação em uma escala representativa dos impactos de novos modelos e arranjos técnicos. Como parte do Programa USPSusten alguns estudos têm sido desenvolvidos para otimização da produção de biogás, criação de manuais de procedimentos e estudos concentrados na utilização do digestato resultante da produção de biogás como biofertilizante em hortas e áreas ajardinadas do campus.

Por fim, o projeto de acesso ao uso de transporte sustentável também é de interesse da USP. O setor de transporte é caracterizado pela dificuldade de descarbonização. Desse modo, o hidrogênio apresenta-se como um dos vetores energéticos da transição energética. O hidrogênio, especificamente o hidrogênio verde, é um vetor de energia estratégico dentro do contexto do uso das tecnologias de zero emissões rumo à descarbonização e a uma economia sustentável. A sua produção é desenvolvida mediante o uso da eletrólise da água em conjunto com uma fonte de energia renovável, mormente, energia solar fotovoltaica e energia eólica. O Brasil não só tem um enorme potencial dessas energias, mas também apresenta vantagem em referência ao setor sucroenergético, cuja participação na matriz energética primária contribui com 19% da oferta total de energia. Em 2021, esse setor apresentou um excedente de eletricidade injetado à rede equivalente a 20,2 TWh, 3.1% do valor total da matriz elétrica. Em termos de produção de hidrogênio verde, isso equivale a um potencial de produção de 0,54 milhões de toneladas ao ano. Além disso, a rota de produção de hidrogênio baseado na reforma do etanol também está na agenda de pesquisa da USP.

Nesse sentido, a USP junto à Shell Brasil, Hytron, Raízen e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) trabalham de forma conjunta na construção de uma planta-piloto que prevê a operação de dois ônibus com tecnologia de célula de combustível e hidrogênio. A planta-piloto prevê a construção de uma pequena planta de produção de hidrogênio por meio da rota da reforma do etanol (Ethanol Steam Reforming – ESR), com capacidade de produção de hidrogênio de 4,5 kg/h. Embora o contexto da incorporação do hidrogênio no setores de economia pareça diáfano e feérico, entende-se que ainda existem grandes desafios a serem superados, como o armazenamento do hidrogênio, rede de distribuição e transporte, eficiência e consumo de água nas rotas de conversão de energia, maturidade da tecnologia, entre outras.

Diante do exposto, apresentou-se algumas ações que estão sendo realizadas pela USP rumo a uma transição energética dos campi e seu uso em edificações sustentáveis. Observa-se que a aplicação das pesquisas e inovações desenvolvidas nos próprios campi, como a geotermia, a geração fotovoltaica, o biogás e o uso de hidrogênio são rotas inovadoras e potencializadoras de transformar as edificações e a USP em um berço de inovação e de desenvolvimento sustentável. No entanto, embora algumas tecnologias já estejam maturas, como a fotovoltaica, outras precisam de mais estudos e investimentos, como é o caso da geotermia e hidrogênio, só para mencionar algumas poucas. Por fim, destaca-se que o presente artigo só levou em conta algumas das soluções que estão sendo realizadas dentro do contexto do programa USPSusten. Outras soluções também estão sendo abordadas por diferentes áreas de pesquisa dentro da USP.

* Julio Romel Martinez Bolaños e Priscila Camiloti, pós-doutorandos do USPSusten, da Superintendência de Gestão Ambiental da USP
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