Uma mulher na direção da Organização Mundial do Comércio

Por Eva Alterman Blay, Professora Emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP

 18/02/2021 - Publicado há 4 anos
Eva Alterman Blay – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

 

Os jornais da última terça-feira, 16 de fevereiro 2021, noticiam com destaque que pela primeira vez uma mulher, a economista Ngozi Okonjo-Iweala, foi eleita para dirigir a Organização Mundial do Comércio (OMC). A mídia ressalta dois aspectos: foi escolhida para ocupar esse posto uma mulher e uma africana. A nigeriana Ngozi dirigirá a OMC que estava entravada pela política antimultilateral de Trump. Com a nova diretora, muda o panorama: ao assumir, Ngozi afirmou ao New York Times que sua prioridade vai ser recuperar a economia global destruída pela pandemia!

Para entender quem é Ngozi fui atrás de seu país de origem, a Nigéria, e cheguei ao  documentário Sankofa. Com um certo pudor devo revelar que quem me abriu os olhos para Sankofa foi um jovem, da nova geração, profundamente ligado ao saber negro, às  raízes humanistas. Sankofa graficamente é representado por um pássaro com a cabeça voltada para trás: simboliza a ancestralidade, o passado como base para construir o  futuro. O fotógrafo Cesar Fraga e o professor de História Africana Maurício Barros de Castro viajaram por toda a África Ocidental, especialmente Guiné (Cabo Verde, Guiné-Bissau e Senegal), Mina (Gana, Togo, Benim e Nigéria) e Angola e chegaram até Moçambique, locais de onde vieram para o Brasil 12 milhões de pessoas escravizadas. Atenção: milhões. Foram buscar o que eles dizem ser “a África que habita em nós”. Esse documentário, que está disponível na Netflix, é tão interessante e revelador que deveria ser parte do currículo de todas as escolas brasileiras.

A Universidade de São Paulo mais uma vez amplia os caminhos da ciência e do saber ao se somar ao documentário Sankofa com a Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana, que recentemente publicou o número de 2020. Nele há artigos de autores da Unicamp, da PUC de São Paulo, da Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal de Ouro Preto, Universidade de Vanderbilt (EUA), Universidade Federal de Alagoas, Universidade Federal de São Paulo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Université de Yaoundé (Camarões), École Normale Supérieure (Camarões), Universidade Federal da Integração Latino-Americana, Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Universidade Federal da Bahia. A  temática é ampla e absolutamente inovadora. Segue a trilha de vários intelectuais negros como Abdias do Nascimento, o intelectual, artista, político, teatrólogo e primeiro senador negro, que muito aprofundou em sua obra o sentido do Sankofa.

Se é verdade que atualmente a literatura feminista discute a importante produção das mulheres negras norte-americanas, temos que nos somar aliando à crescente produção brasileira. Cito, por exemplo, o extraordinário trabalho de Rogerio Pacheco Jordão, publicado no último número da revista Piauí e que tem como  referência o mercado de escravos do Valongo, no Rio de Janeiro. Rogerio compara o Valongo com sítio semelhante em Bristol, na Inglaterra, e com New Orleans, nos Estados Unidos da América do Norte. Certamente sabemos o que ocorreu em Bristol com a recente derrubada da estátua do mercador de escravos, mas pouco acompanhamos a destruição do Valongo, sítio que em qualquer lugar do mundo deveria ser obra  consagrada, visitada, estudada, sobretudo resguardada!

Bem-vinda economista Ngozi Okonjo-Iweala, e como sempre saiba que, justamente por ser mulher e negra, você vai ser triplamente cobrada! 

 

 


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