Propostas de financiamento mais bem escritas podem ajudar no desenvolvimento da ciência no Brasil

Por José Belém O. Neto, doutorando da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP

 17/10/2023 - Publicado há 7 meses
José Belém O. Neto – Foto: Arquivo pessoal

 

As propostas de financiamento (grant proposals) são o principal, se não um dos únicos, meios para participar de editais que visam ao financiamento público ou privado de pesquisas científicas nas diversas áreas do conhecimento. Apesar de ser um tipo de texto crucial, as grants não recebem a mesma atenção e prestígio que os artigos científicos, tanto por pesquisadores e docentes da área do discurso e escrita acadêmica, quanto pelas diversas comunidades científicas.

Contudo, escrever grants é essencial para o avanço da ciência, afinal, sem verba não se faz investigação científica. Além disso, adquirir financiamento é uma forma de garantir progressão na carreira de pesquisadores e funciona como evidência da qualidade das instituições de pesquisa e de seu corpo de cientistas. Todavia, apesar do papel fundamental das grants, seu funcionamento em contexto nacional e internacional, também como o entendimento da forma que esse tipo de texto é escrito, são assuntos pouco difundidos, discutidos e estudados. Tal escassez é observada, principalmente, fora da esfera anglófona, isto é, países que tem inglês como língua oficial ou predominante.

Em termos de apoio para navegar, gerir e entender o funcionamento das grants e do sistema de financiamento público e privado, o Brasil é carente se comparado aos Estados Unidos e Europa. Aqui, poucas instituições de ensino e pesquisa brasileiras possuem escritórios dedicados em apoiar pesquisadores nas fases anterior e posterior a concessão de financiamento, as chamadas pre-award e post-award. Que servem como apoio gerencial para os cientistas que, consequentemente, ficam livres para focar totalmente na pesquisa. Nos últimos tempos, porém, houve mudanças nesse cenário por meio de treinamentos oferecidos por agências de fomento, como a Fapesp, e pelos investimentos de instituições privadas em ações de gestão de pesquisa, como o Núcleo de Apoio ao Pesquisador (NAP) do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein (vide reportagem na Revista Fapesp). No entanto, apesar desses esforços, ainda são várias as barreiras em relação à gestão de pesquisa, tal como a falta de reconhecimento profissional de quem trabalha na área no Brasil, conforme apontam informações da Brazilian Research Administration and Management Association (BRAMA).

Em termos de ações destinadas à escrita de grants tanto em português quanto em inglês, nosso país também está em desvantagem. Em uma busca nos sites das agências que mais financiaram pesquisas no País de janeiro de 2022 até julho de 2023, segundo dados obtidos na Plataforma InCites, isto, é CNPq, Capes, Fapesp, Faperj e Fapemig, não é possível encontrar informações de conteúdos, treinamento, modelos de textos completos de grants e/ou qualquer outro recurso que pudesse ser utilizado por pesquisadores almejando escrever uma grant.

Por outro lado, em agências de financiamentos internacionais, como a americana National Institute of Health, é possível encontrar recursos como modelos completos, recursos e explicações mais detalhadas sobre escrita de grants (Grants & Funding). A Fapesp, a terceira maior financiadora no Brasil, inclui um roteiro com sugestões, mas, com exceção dos resumos em sua biblioteca virtual, não disponibiliza nenhum modelo completo de grant que possa ser consultado publicamente.

Tal confidencialidade do conteúdo completo das grants é defendida internacionalmente por parte dos pesquisadores com o argumento de que visa a evitar a divulgação dos dados das pesquisas antes da publicação dos resultados do estudo. Além disso, eles defendem que manter em sigilo é uma forma de proteger o ineditismo e impedir que inescrupulosos possam plagiar ideias e projetos. De fato, parece uma boa estratégia, afinal, o ambiente acadêmico é bastante hostil em termos de divulgação de conteúdo, principalmente pela alta competividade e pela disputa dos rankings entre as instituições de ensino e pesquisa.

Apesar de ser uma boa estratégia, o que preocupa é a falta informações de como navegar e de modelos mais detalhados para a escrita de grants. Essa carência de ações institucionalizadas em prol da escrita acadêmica não é exclusiva das grants. A questão tem sido destaque nas pesquisas realizadas pelo grupo de estudos do Laboratório de Letramento Acadêmico da USP, o LLAC, que observa limitação de conteúdo para escrita de diversos tipos de textos e também discursos orais que circulam nas universidades brasileiras. O laboratório, que é writing center, trabalha com três línguas – português, inglês e francês, e tem uma história de dez anos. A coordenação é realizada pelas professoras Marília Mendes Ferreira e Eliane G. Lousada, das áreas de inglês e francês da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Uma nova pesquisa de doutorado em andamento no LLAC, liderada pelo autor deste texto e orientada pela professora Marília Mendes Ferreira, tem o objetivo de contribuir com o entendimento do funcionamento do sistema de financiamento e, principalmente, coletar informações sobre o processo de escrita de grants. Nessa pesquisa, o foco é investigar questões retóricas (pensamento), macroestruturais (organização) e também léxico-gramaticais (descrição da linguagem) desse tipo de texto. O ponto crucial é entender o que pode impactar no sucesso e/ou insucesso da escrita de grants, tanto em inglês como em português.

Como há a questão do prejulgamento sobre a confidencialidade, essa pesquisa enfrenta desafios na coleta de dados, que, atualmente, está aberta para contribuição de qualquer pesquisador ou pesquisadora das diferentes áreas de conhecimento que queiram enviar suas grants nas línguas estudadas. A coleta é feita por meio de um formulário on-line, hospedado na plataforma REDCAp, software que captura dados eletrônicos e que garante envio totalmente anonimizado e seguro dos textos. Ademais, a pesquisa está totalmente alinhada com os preceitos éticos de pesquisa e garante o sigilo dos dados. Alguns dos resultados esperados dessa investigação são: gerar conteúdos que possam contribuir para quem precisa ensinar a escrita de grants e produzir dados que possam apoiar pesquisadores em início de carreira e acadêmicos em formação provenientes de países de baixa e média renda a navegarem no sistema de financiamento nacional e internacional.

Para ciência nacional é essencial ter maior conhecimento do funcionamento do sistema de financiamento e sobre a escrita grants, particularmente, porque carecemos de material didático para ensinar aos futuros cientistas como escrever grants e navegar no sistema. Além disso, não podemos ignorar que a competividade por verba só cresce dada a escassez de financiamento, ao passo que as agendas científicas estão cada vez mais longas. Com isso, a falta de conhecimento sobre o sistema de financiamento e ausência de domínio da escrita de grants podem significar desvantagem para a ciência nacional, também como para pesquisadores, que consequentemente, podem perder destaque em suas linhas de pesquisa devido a limitação ou falta de financiamento.

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