Posicionamento político e comunicação da Ciência

Por Alberto Tufaile, professor do Laboratório de Matéria Mole da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP

 21/12/2020 - Publicado há 3 anos

Alberto Tufaile – Arquivo pessoal

Considerando a “Ciência” como uma representação coletiva das pessoas que lidam diretamente com os aspectos formais da busca do conhecimento, esta Ciência que possui uma relação orgânica com as múltiplas entidades sociais como “mercado” ou “política”, os principais aprendizados para 2021, em minha opinião, estão associados com a comunicação e o posicionamento ideológico. Este aprendizado não começou em 2020, mas foi focalizado de forma cáustica nestes dois assuntos neste ano, com a ciência sendo forçada a enfatizar como os seus métodos funcionam, assim como a sociedade precisa atuar diante dos seus desafios do ponto de vista dos cientistas.

Um aspecto que vi mais intensamente no ano de 2020 foi o posicionamento político declarado de vários dos meus colegas em diferentes partes do mundo, que algumas vezes escolheram a posição desconfortável de questionar abertamente a autoridade estabelecida em favor de uma posição baseada no método científico. Como numa canção de “sofrência”, os cientistas perceberam que é loucura negar as evidências e mentir para ficar numa posição socialmente neutra. Como afirmei acima, este aprendizado não começou em 2020, mas pode ser visto na necessidade da diversidade dentro da comunidade científica como condição obrigatória para aumentar o progresso da própria ciência, ou, como no caso da revista Scientific American, que afirmou: “Nunca endossamos um candidato em 175 anos de história. Este ano, somos obrigados a fazê-lo”. Como se as palavras estivessem saindo de um livro de Galileu Galilei, a Scientific American explicou que o motivo deste posicionamento é baseado no fato de que o outro candidato rejeitava a evidência e a ciência, fomentando um negacionismo científico que envolvia desde o meio ambiente até questões de saúde pública, como no caso da pandemia.

O que nos leva a outra lição, que é a comunicação. Uma frase que ouvi no filme A Origem (Inception), de 2010, do personagem Cobb, interpretado por Leonardo DiCaprio, resume o que estimulou os cientistas a procurarem por uma comunicação mais eficiente no ano de 2020: “Uma ideia é como um vírus, resistente, altamente contagiosa. A menor semente de uma ideia pode crescer. Pode crescer para definir ou destruir você”. A comunicação científica de forma aberta e clara foi consumida de forma voraz pela população neste ano, que procurou a orientação de especialistas de diferentes áreas do conhecimento para tomar as decisões que afetariam as suas vidas instantaneamente. Entretanto, as publicações em periódicos fechados e escritas de forma criptografada, com os jargões específicos de cada área, não encontram ressonância numa parcela ampla da sociedade que tem poder de atuação num tempo hábil. Os cientistas aprenderam que precisam entrar na batalha contra as teorias conspiratórias contagiantes através de uma comunicação eficiente, pois ignorá-las é muito perigoso.

A perspectiva para o ano que vem é bem simples. A ciência terá um papel ainda maior na orientação da definição do bem-estar social e tecnológico no nível local e global, se envolverá em conflitos ainda maiores durante a apresentação das suas propostas, como na aplicação do seu método ou nas questões éticas relacionadas. E tudo isso vai funcionar? Bem, isso não é simples de prever, pois dependerá da reação das outras entidades sociais envolvidas, pois as ideias científicas não devem ser impostas, mas precisam ser implantadas de forma consensual.


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