Pós-graduação EaD na ECA USP, momento inaugural

Por Clotilde Perez, professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP

 04/03/2022 - Publicado há 2 anos
Clotilde Peres – Foto: Arquivo pessoal

 

Neste mês de março de 2022, a Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP lança três cursos de pós-graduação, MBA, na modalidade EaD. Momento inaugural para a escola que sempre buscou estar à frente do pensamento, do ensino e das práticas comunicacionais, formando pesquisadores que constroem o campo da comunicação e profissionais reconhecidamente destacados em suas áreas de atuação pela formação robusta, humanista e com clareza da dimensão pública explicitada na preocupação com a melhoria da sociedade para todos. MBA em Negócios e Estética da Moda, coordenado pela professora Clotilde Perez e professor Eneus Trindade como vice-coordenador; MBA em Comunicação e Marketing, com o professor Dorinho Bastos na coordenação e professor Mitsuru Yanase na posição de vice; e MBA em Gestão de Eventos, com o professor Luiz Alberto de Farias como coordenador e professora Valéria Castro como vice-coordenadora, todos projetos idealizados, construídos e liderados por professores do Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo (CRP) da ECA, pioneiro em projetos EaD, com o lançamento em 2019 do primeiro curso de extensão/difusão, coordenado pelo professor Mitsuru Yanase.

Após mais de um ano investido na preparação dos projetos pedagógicos, envolvendo a discussão teórica, aprendizagem e escolha das metodologias possíveis na nova ambiência, escolha e convite aos docentes e enfrentando resistências de natureza diversa, os três cursos foram aprovados em todas as instâncias da Universidade, cumprindo as necessárias formalizações e demonstrando a natureza inovadora e visionária da ECA.

Neste momento histórico é importante lembrar que desde 1996, com a inclusão na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da modalidade de ensino a distância, muitas discussões foram travadas, certamente válidas, ainda que em repetidas situações o argumento da “mercantilização” supostamente decorrente da EaD seja um dos mais evidentes e que colaboraram para a lentidão no avanço da discussão propositiva e dos projetos com qualidade. Reduzir a oferta de formação a distância a um único viés é não enxergar suas inúmeras potencialidades, considerando que somos um país diverso, desigual e imenso. Lembremos de como o ensino superior se iniciou no Brasil, como base para refletirmos sobre a pós-graduação lato sensu, onde se encontram os MBAs, que agora lançamos.

A historicidade do ensino superior no Brasil, infelizmente, segue a lógica da colonização. Como colônia de Portugal, as decisões a respeito da educação estavam submetidas à Coroa portuguesa, que não tinha qualquer interesse em seu desenvolvimento, a máxima “saber é poder” era de conhecimento régio. Até a Independência (1822), quem quisesse se formar no ensino superior, teria de ir ao exterior, muitas vezes com indicações de universidades religiosas, principalmente na Europa, o que mostra o entorno elitista do ensino superior desde os inícios. Apenas a partir de 1808, quando a família real portuguesa, em fuga, se fixa em território nacional é que a formação superior no Brasil surge, com a criação de escolas que darão origem às Universidades Federais da Bahia (1808 como Escola de Cirurgia da Bahia/1946 como Universidade) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1792 como Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho/1920 como Universidade).

Como é possível concluir, o desenvolvimento desse nível de ensino no País seguia pela elitização, até porque, nesse período, apenas os filhos das famílias de classes altas tinham condições de deter os requisitos mínimos para ingresso na modalidade superior de ensino, restrito a poucas cidades. É só na República que o ensino superior se expande no País com a criação de universidades e faculdades privadas, muitas delas confessionais católicas e algumas presbiterianas. Efetivamente uma real política pública de expansão do ensino superior só acontece de forma ampla, a partir de 2003, com a criação de 18 novas universidades federais, 173 novos campi e 360 Institutos Federais em todas as regiões do País, resultando na duplicação do acesso ao ensino superior, passando de 505 mil alunos para 932 mil. Como não considerar a modalidade de ensino a distância tendo em conta a historicidade e as condições de implantação do ensino superior brasileiro absolutamente concentradas a poucas localidades e momentos muitos pontuais e recentes?

Para seguir em nosso percurso reflexivo, é importante também retomarmos os primórdios do ensino a distância no País. Sua real aplicação acontece a partir de 1923, por meio da criação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, por Edgar Roquette-Pinto. Depois da iniciativa de Roquette-Pinto, temos, no final da década de 30, a presença de instituições como o Instituto Universal Brasileiro, o Instituto Rádio Monitor e outros que representam o pioneirismo nos cursos EaD. Estes projetos de formação não tinham qualquer acompanhamento ou avaliação, eram cursos livres. Há registros de preocupações com a EaD, por instâncias e iniciativas públicas, por volta dos anos 60, como o projeto Minerva, que tinha o objetivo de interiorizar a educação básica por meio da radiodifusão. Esses e outros projetos sofreram pela falta de amparo legal e pela descontinuidade, impedindo a consolidação efetiva de um programa de EaD consistente. Assim, podemos afirmar que só a partir da LDB 9.394/96 é que tivemos o reconhecimento e a legitimação da EaD no Brasil. E, posteriormente, com o decreto n° 5.622, de 19 de dezembro de 2005, que até o presente momento é a legislação que regulamenta a oferta de cursos EaD no País.

A história mostra que a EaD como política pública é muito recente no Brasil e que, de 1996 até os dias de hoje, o avanço nas tecnologias de informação e comunicação foi vertiginoso, abrindo possibilidades inimagináveis nos fins do século XX, principalmente após a expansão da internet. Atualmente, está disponível uma imensa quantidade de instrumentos que possibilitam a interação do aluno com o objeto da aprendizagem, com professores, tutores e demais discentes, criando as melhores condições para as dinâmicas ensino-aprendizagem. As Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) disponíveis dão ao aluno ótimas possibilidades de interação necessárias: acesso ao material digital, vídeos, links de notícias e temas relacionados aos assuntos das disciplinas, salas de chat (bate-papo), onde os alunos podem se comunicar entre si, atendimento de professores e tutores e, ainda, muitas outras ferramentas. Para aqueles que defendem o pressuposto da “não interação” como deficiência do aluno de EaD, há farta literatura sobre os AVA – ambientes virtuais de aprendizagem -, com comprovada eficiência.

Outro aspecto é que o aumento de vagas nas IES públicas e privadas, com ofertas de EaD incrementam as possibilidades de ingresso das pessoas, principalmente jovens, há muito excluídas das universidades, por razões das mais diversas. A expansão da EaD é democratização do acesso ao ensino superior no País. A questão central é dar acesso com qualidade e não há dúvidas que quem tem qualidade no ensino presencial, vamos chamar, tradicional, é quem tem as credenciais, conhecimentos e competências, para expandir a oferta com qualidade na modalidade a distância, daí a urgência da expansão a partir das melhores instituições públicas federais e estaduais.

Se a oferta do ensino superior na modalidade EaD é um caminho para a democratização, quando temos em conta a pós-graduação voltada para a formação profissional continuada, envolvendo as diferentes nomenclaturas dos cursos de pós-graduação lato sensu, ela é oportunidade de desenvolvimento e crescimento pessoal e profissional, quando não, da própria manutenção do trabalho. Como dar conta da incontestável necessidade da educação permanente estando longe dos grandes centros produtores de conhecimento? Como seguir estudando após adulto, já trabalhando, muitas vezes com família constituída, morando em grandes centros, onde o deslocamento pode envolver longas distâncias dificultadas por transportes públicos pouco planejados e reduzidos? Como manter-se atualizado diante da rapidez com que os conhecimentos e informações avançam gerando novas demandas e novas habilidades que rompem com paradigmas anteriormente consolidados? Viver na sociedade contemporânea compreende a produção, o consumo e a circulação dos conteúdos e fluxos comunicacionais em todas as esferas da vida, o que implica o conhecimento das tecnologias e a reflexão constante sobre seus impactos e melhores usos.

Na tradição socrática, conhecimento é entendido como autoconhecimento, como crescimento intelectual, moral e espiritual. Protágoras compreendia o conhecimento como lógica, no sentido do saber o que dizer e como dizer, dando origem à tríade: lógica, gramática e retórica nucleares do saber na Idade Média. Conhecimento até esse momento não envolvia “utilidade”, conhecimento não era aptidão, para isso tínhamos a techne. Quando compreendemos que tecnologia implica interseções da techne (aptidão) com logus (o estudo), temos que a tecnologia é uma forma de conhecimento, não apenas uma nova forma de apropriação de valor, mas novas concepções de conhecimento. Este novo paradigma, onde tecnologia é conhecimento, vez por outra, vem acompanhado da palavra transformação, principalmente na ambiência digital. E a que serve o conhecimento senão à transformação? A circulação da informação e a constituição do conhecimento em rede passam a ser a espinha dorsal, a sustentação da vida em sociedade. Há situações onde a inserção social se dá a partir do domínio de um conhecimento tecnológico, patente por exemplo, durante a pandemia da covid-19, na qual ainda vivemos. Em outras, são determinantes da manutenção da competitividade, como, por exemplo, no mundo do trabalho, onde a competição agora já não é mais local, mas global, onde conhecimentos tecnológicos são definidores de posições, excluindo aqueles sem acesso aos meios necessários ao seu desenvolvimento cognitivo e intelectual.

Assim, a oferta de cursos MBA EaD em áreas onde a ECA tem excelência já comprovada, nos diferentes cursos de graduação e nos programas de pós-graduação stricto sensu, evidencia seu compromisso com a extensão decorrente da articulação ensino-pesquisa, privilegiando não apenas a comunidade mais próxima, mas ampliando a possibilidades de acesso com vistas à expansão do seu compromisso com a sociedade, no qual se funda a universidade pública brasileira.


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