O Crusp é moradia estudantil

Por Ana Lúcia Duarte Lanna, pró-reitora de Inclusão e Pertencimento da USP, e Ester Gammardella Rizzi, assessora da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento da USP

 04/10/2023 - Publicado há 7 meses
Ana Lúcia Duarte Lanna – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Ester Gammardella Rizzi – Foto: PRIP USP

 

AUSP possui moradias estudantis em diversos campi. No total são mais de 2.500 vagas para estudantes de graduação e pós-graduação. A moradia estudantil da USP localizada no campus do Butantã, conhecida como Crusp – Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo, é a maior delas. São aproximadamente 1.600 vagas, distribuídas em oito blocos.

O Crusp foi projetado pelos arquitetos Eduardo Knesse de Mello, Joel Ramalho e Sidney Oliveira nos anos 1960, na gestão do reitor Antônio Barros de Ulhôa Cintra. Muito já se escreveu sobre o projeto, seu destaque e significado no campo arquitetônico. Trabalhos como os de Neyde J. Cabral, Flavia Brito Nascimento, Nilce Aravecchia Botas e Gabriel Fernandes analisam diversos dos sentidos do projeto arquitetônico vinculando-o a memórias, usos e sentidos.

A USP lidou com esse importante espaço de permanência estudantil de muitas maneiras ao longo desses 60 anos de existência do Crusp. As diversas relações sempre foram marcadas pela presença e mobilização estudantil.

O desafio que se coloca de forma permanente é como configurar uma moradia estudantil gerida pela Universidade e inserida no mundo social. Se entendemos o espaço como parte integrante da política de permanência e pertencimento da USP, as questões que orientam as diretrizes de intervenção e cuidado ganham novos contornos e desafios.

Como pensar a qualificação dos espaços considerando as expectativas plurais, e muitas vezes antagônicas, que orientam o cotidiano dos moradores?

Como construir possibilidades de intervenção e cuidado nos espaços que se traduzam em ampliação do bem-estar e qualidade de vida para os estudantes da Universidade que moram no Crusp?

Como construir e qualificar espaços que operam simultaneamente com dimensões de vida pública e de vida privada? Espaços que são coletivos e que devem garantir direito à privacidade? Espaços que abrigam moradores que possuem fortes vínculos com a instituição, vínculos longevos, mas transitórios? Uma casa, e não um alojamento, mas uma casa com definições institucionais, públicas e coletivas. São questões fundamentais que orientam a atuação institucional da USP voltada ao Crusp neste 2023.

Pensar a moradia estudantil no século 21, inserida em uma universidade pública, como um projeto de inclusão e pertencimento, é um desafio renovado que dialoga com o passado e trajetória do espaço construído nos anos 1960. Mas que dele se distancia, seja pelo novo e diverso perfil dos estudantes da USP, pelos novos entendimentos das dimensões privadas e públicas da sociedade, pelas novas demandas relacionadas ao conforto e bem-estar pautadas pelo mundo contemporâneo.

Reconhecer as trajetórias, memórias e formas de ocupação da moradia estudantil não significa apenas recompô-las ou idealizá-las. Por exemplo, o grito de “canalhas” evoca um passado de lutas e resistências democráticas. Mas significa hoje noites insones, apropriações do espaço por conflitos estudantis que trazem silenciamentos e adoecimentos mentais e perpassam muitas das tensões que conformam as disputas políticas e interpessoais da moradia nos dias atuais.

Como lidar com as dimensões políticas da memória e articulá-las com necessidades imperiosas de requalificação dos espaços e das práticas de moradia? Como introduzir dimensões de pertencimento que signifiquem a construção da segurança e do cuidado institucional como partes integrantes do cotidiano da moradia? Enfim, como transformar a experiência de vida no Crusp em uma experiência de vida em moradia estudantil?

Para isso é essencial entender que morar no Crusp:

• é um processo transitório, vinculado ao percurso acadêmico na USP de seus habitantes;
• é experiência que articula dimensões coletivas e, simultaneamente, o direito à privacidade;
• é experiência que opera com direitos de vizinhança e respeito individual;
• é compartilhar espaço que simultaneamente é público e privado.

O Crusp é constituído por um conjunto habitacional, por blocos de apartamentos, apartamentos e quartos. Em cada uma dessas quatro escalas, o coletivo é o que articula os fluxos, usos e os regramentos que organizam o espaço privado de cada morador.

A Universidade de São Paulo é a responsável pela gestão desse complexo e deve fazê-lo a partir da construção de regras e práticas que consolidem ambientes de convivência pautados pela confiança, segurança e cuidado.

Muitas estratégias, políticas e ações foram e continuam sendo definidas, negociadas e aprimoradas com o objetivo de transformar o Crusp, nas suas múltiplas dimensões materiais, espaciais, sociais e simbólicas, em uma moradia estudantil digna e qualificada.

Com a criação da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), em maio de 2022, foi iniciada uma reorganização institucional do Crusp. Um amplo processo participativo fundamentou a elaboração do novo regimento, aprovado pelo Conselho de Inclusão e Pertencimento em abril de 2023. Entre as mudanças estão:

(a) a unificação do processo de seleção de moradores com o processo do PAPFE;
(b) a regulação mais detalhada do processo de entrada nos apartamentos;
(c) o ingresso em modo fluxo contínuo ao longo de todo o ano;
(d) a definição da vaga atribuída passa a ser da Divisão de Promoção Social da Coordenadoria Vida no Campus da PRIP, responsável por definir qual o apartamento e o quarto a serem ocupados pelos novos moradores;
(e) reelaboração dos princípios e regras de convivência nos espaços comuns;
(f) os procedimentos de apuração e as possíveis consequências para aqueles que violarem essas regras, entre muitos outros temas.

As alterações e atualizações das regras vieram acompanhadas de definições de intervenções relacionadas ao espaço físico. Também de forma participativa, a PRIP coordenou processo que definiu as prioridades de intervenção. O princípio básico é realizar melhorias sem que seja necessário desocupar os blocos, quartos e apartamentos.

Assim foi restabelecida a iluminação em todos os corredores e áreas comuns, incrementada a rede de wi-fi, realizadas a descupinização e a compra de colchões e mobiliário para todos os quartos. A zeladoria foi reorganizada, contratos de manutenção atualizados e serviços auxiliares para abastecimento de água instalados. Lavanderias e cozinhas foram reformadas e equipadas. Está em andamento licitação para troca dos pisos, adequação do espaço comum de cada apartamento e impermeabilização das coberturas. Todo o espaço da passarela e marquise será reformado. Projetos de adequação elétrica estão sendo finalizados. E muitas ações envolvendo práticas cotidianas de bem-estar e acolhimento estão sendo implementadas e/ou apoiadas pela PRIP. Elaboramos um Manual de Boas-Vindas ao Crusp para os novos ingressantes. Além dele, projetos de horta, alimentação saudável, saraus, atividades físicas e parcerias com o Centro de Práticas Esportivas da USP estão em andamento.

Ações específicas objetivando a melhoria da qualidade da saúde dos estudantes moradores do Crusp também foram incrementadas. O convênio com o Centro Saúde Escola Samuel Barnsley Pessoa, a reorganização do Programa ECOS (Escuta, Cuidado e Orientação em Saúde Mental) e do Fórum de Saúde do Crusp são algumas dessas iniciativas.

Por fim, todo um trabalho de regularização das moradias vem sendo empreendido. O Crusp é moradia estudantil e deve ter a totalidade de suas vagas ocupadas por estudantes da Universidade. Elaboramos um conjunto de procedimentos que envolvem as assistentes sociais, a zeladoria, a comissão mista, a coordenadoria Vida no Campus e o conjunto da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento, que tem por objetivo regularizar a situação de moradia na totalidade dos quartos do conjunto residencial. Queremos que todos os moradores sejam estudantes da USP e que assim possamos ampliar as condições de permanência e pertencimento de nossos alunos.

A PRIP, desde 2022, quando de sua criação, entendeu que cuidar do Crusp era meta central nas suas políticas de inclusão e pertencimento. Seguiremos promovendo ações até que o objetivo seja realizado e haja estrutura normativa e institucional para que seja mantido no tempo.

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