O troll trilionário politicamente influente – ele mesmo, Elon Musk

Por Daniela Osvald Ramos, professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP

 23/04/2024 - Publicado há 8 meses

No livro Gendertrolling. How misogyny went viral, em tradução livre Trollagem de genêro. Como a misoginia se tornou viral, Karla Mantilla analisa a etimologia do termo e o comportamento dos primeiros trolls da internet até sua proliferação e engajamento no combate às vozes femininas principalmente no mundo dos games, em um primeiro lugar. Falamos um pouco disso na última coluna. Também nos debruçamos sobre este tema em artigo publicado em Revista Rumores, em 2022.

Ao acompanharmos as últimas notícias sobre a provocação do troll e trilionário Elon Musk ao judiciário no Brasil, não é difícil identificar um comportamento característico deste grupo na internet, que existe desde que existe internet (ao menos). As diversas razões pelas quais Musk se engajou e está replicando técnicas de trolagem ao/no nosso país não são objeto da nossa análise. Este tipo de abordagem está, desde 6 de abril, sendo noticiado nos diversos meios de comunicação em forma de reportagens e colunas de opinião. Aqui mesmo neste Jornal da USP, Elaine Santos, por exemplo, publicou a interessante coluna As polêmicas com Elon Musk, o lítio e o imperialismo digital.

A palavra troll tem origem em duas fontes, segundo Mantilla. A versão mais conhecida é do folclore nórdico, no qual o troll é uma figura de aparência assustadora-engraçada, e que se esconde embaixo de pontes para pregar peças em quem passa em cima. Menos conhecido é o emprego do termo na pescaria. Neste nicho, trolling é uma técnica de estender uma linha na água na qual são penduradas várias outras iscas. Bingo. Trata-se de pegar vários peixes de uma só vez.

Associados, os dois significados descrevem bem o que Musk fez. Pegou vários peixes grandes de uma vez, e deu um susto nos que entendem do que se trata o termo “soberania nacional”. Para os que não entendem o que significa ou é a soberania nacional, o ato de Musk “mitou” e foi uma forma engraçada e criativa de questionar o que seriam atos censórios de Alexandre de Moraes praticados à luz de um regime democrático. Não vamos esquecer que a comparação que Musk fez entre Moraes e Darth Vader apela à cultura pop, gera memes, e todo mundo acha engraçado e inusitado.

Importante notar aqui que o uso do humor é essencial para o comportamento do troll, que tem como intenção camuflar o objetivo de perturbar um certo ambiente de normalidade do que seriam regras civilizatórias on-line, sempre com a capa da “brincadeira” e da “pegadinha” envolvidas no processo.

No entanto, a ação do troll é sempre voltada para estar no limite entre uma brincadeira de mau gosto e muitas vezes tem um objetivo bastante concreto, que é servir também como apito de cachorro para reunir a matilha em ataques coordenados da extrema direita, como aponta o jornalista e escritor Mike Wendling no seu livro Alt Right. From 4chan to the White House (Direita alternativa: Do 4chan para a Casa Branca), de 2018. Neste livro, Wendling analisa os caminhos intrincados que a chamada “direita alternativa” (alt right), ou, em bom português, extrema direita, traçou desde sua intensa reunião na internet profunda (deep web) nos chans, abreviação de channel, ou seja, canais, que são os fóruns anônimos de discussão sem regulação nenhuma – a famosa terra de ninguém, onde os ensaios das dinâmicas mais pesadas de trolls foram feitos e vieram à tona para impulsionar Donald Trump à Casa Branca, como documenta Wendling.

O que Musk quer com o X é claro. Transformar a internet da superfície de operações comerciais legalizadas em um chan de extrema direita a céu aberto, no qual não há regulamentação nenhuma e onde os normies são exceção. Normies é uma gíria da extrema direita norte-americana usada para se referir a “pessoas normais” que habitam a internet, ou seja, os que respeitam algum tipo de regra civilizatória de convivência on-line, leia-se: não xingar, atacar, ameaçar, caluniar, cometer desinformação e toda sorte de variações criativas de delinquências verbais e audiovisuais que se convencionou chamar de “conteúdo on-line” e de “liberdade de expressão”.

Essa dinâmica já está amplamente instalada na sociedade contemporânea e é aceita quando praticada por homens brancos reacionários, que são tidos como líderes originais de um movimento que pretende colocar por terra os poucos avanços civilizatórios que as mulheres conseguiram, por exemplo, e que atacam continuamente os direitos humanos do que dizem ser da minoria.

Em uma linha de tempo no nosso continente, temos Donald Trump como o primeiro troll eleito, seguido por Jair Bolsonaro e Javier Milei na Argentina. Seria o populismo de direita iminentemente trollador? Deixo a questão em aberto. Musk, como não é de se espantar, fez questão de tornar pública sua aliança ideológica, política e econômica com esses três.

O comportamento adolescente do troll é agora instrumentalizado por homens adultos e até trilionários, como se eles precisassem pregar peças em países nos quais têm algum interesse de exploração econômica. Precisam? Ao que parece, sim. Trollar é hoje uma estratégia também política e modelo de negócio das plataformas, assim como a misoginia. Cabe aos adultos de plantão identificarem a armadilha da pegadinha, botar ordem no parquinho de maneira educativa e não autoritária e, mais do que tudo: não alimentar os trolls.

Em uma definição simples, delinquência quer dizer “desobediência a leis, regulamentos ou padrões morais; delito, infração”.

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