Tecnologia quântica é inovadora, mas os benefícios ainda são modestos

Bárbara do Amaral comenta que o computador quântico foi considerado a ponta para uma revolução científica, mas ainda é uma tecnologia em desenvolvimento

 Publicado: 25/07/2024
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Computador quântico mais eficiente prevê uso de múltiplos processadores – Fotomontagem Jornal da USP feita com imagens de Freepik e starline/Freepik
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O computador quântico é uma tecnologia em desenvolvimento e que promete fazer operações que os computadores atuais não dão conta. Do contrário do que geralmente se entende, ele não é uma “evolução” do computador padrão, mas sim algo novo, uma reinvenção da estrutura computacional. É como se o computador quântico partisse do zero na tecnologia.

Bárbara do Amaral, professora do Instituto de Física da USP, explica: “Estamos trocando uma maneira matemática de lidar com aqueles objetos por outra que é completamente diferente”. A inovação surgiria justamente deste ponto: “Por ser diferente, naturalmente podem aparecer mais possibilidades, e é justamente isso que é explorado na área de informação quântica”. Na teoria, o computador quântico poderia fazer tudo o que o computador normal faz, além de mais recursos de solução de problemas por causa de sua linguagem mais complexa.

Bárbara do Amaral – Foto: Reprodução/Portal IF USP

Funcionamento

As notícias dessa tecnologia repercutiram no mundo inteiro e muito tentou-se explicar ou hipotetizar sobre sua aplicação. Fala-se, por exemplo, que o computador quântico conseguiria ler um bit – o código mínimo do computador, o 1 ou 0 que vê-se na linguagem binária – de diferentes maneiras ao mesmo tempo. Mas essa ideia de que um bit seria 1 e 0 ao mesmo tempo, duas coisas simultaneamente, não é bem verdade.

Bárbara faz uma analogia mais próxima do real, comparando o computador com um relógio e os bits com os ponteiros. No computador clássico, os ponteiros só podem estar na vertical ou horizontal (os bits podem ser só 1 ou 0), enquanto no quântico “poderíamos encontrar o ponteiro do relógio nas outras operações. Por exemplo, ele poderia estar na diagonal, então isso é o que chamamos de superposição”. Outra forma de se colocar é imaginando que, entre o 1 e 0, existem infinitos números racionais e que eles também poderiam ser bits no estado quântico.

A professora reconhece que imaginar isso é um pouco contraintuitivo, mas que essa propriedade é base para a computação quântica. Os bits quânticos, no estado de superposição, não seriam nem 1 nem 0, mas sim algo no meio termo que não pode ser precisado, apenas estimado probabilisticamente. No caso do relógio, é como se não conseguíssemos ver o ponteiro propriamente dito, apenas ter uma noção a partir de cálculos.

Aplicações

A tecnologia está em constante estudo e uma das principais utilizações do computador é que nós pesquisamos sobre ele mesmo. A física quântica sendo aplicada para se estudar a própria física quântica. A própria Bárbara comenta que, como física teórica, usa os mecanismos quânticos do computador para testar suas teorias. A partir de planos gratuitos ou pagos, cientistas podem usar modelos quânticos como “mini laboratórios”.

A tecnologia também pode impactar muito a área de criptografia e segurança de dados. Códigos que hoje são quase inquebráveis seriam facilmente resolvidos com um programa quântico potente – o que, no momento, ainda não é o caso. Outra aplicação seria na área de otimização, resolvendo problemas operacionais de logística em indústria, aeroportos e diversos meios.

Expectativas

Essa nova tecnologia é sem dúvida inovadora, mas enquanto muito se diz que ela vai revolucionar o mundo e radicalizar a tecnologia, Bárbara fala que não é bem assim: “Ainda não é aquela coisa ‘o computador quântico vai revolucionar a indústria farmacêutica, medicina’… Ainda não estamos lá”. Ela diz que criou-se uma expectativa irreal sobre o computador quântico e que, por mais que seja de fato uma tecnologia muito interessante, a ciência ainda está longe de possibilitar essa dita revolução.

A sensibilidade às condições externas do computador quântico também são pontos que impedem sua difusão. “Esses computadores nossos (os clássicos) funcionam no calor de 40°, o gato sobe em cima, estou com o pé em cima do CPU e ele continua funcionando lindamente porque ele é muito eficiente em corrigir os próprios erros, enquanto o computador quântico não”, explica Bárbara do Amaral. A discrepância do índice de erro é gritante: os computadores padrões tem um erro a cada 10¹⁷ operações e os quânticos em cada 200.

Já por conta da tecnologia de ponta e custo altíssimo, apenas empresas como Amazon e Google possuem um. Os benefícios do computador quântico são modestos, diferentemente do que se propagou. O que, por outro lado, não significa que são inexistentes: as aplicações possíveis já servem para pesquisa e avanços científicos, e isso “pode trazer muitos benefícios para o desenvolvimento de outras áreas”, diz Bárbara.

*Estagiário sob supervisão de Marcia Avanza e Cinderela Caldeira


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