Assim como o homem, as aves têm uma extrema capacidade de adaptação aos ambientes podendo, inclusive, alterar hábitos alimentares. Aplicando um modelo matemático sobre um banco de dados de cerca de 10 mil espécies de aves de todo o mundo, num espaço de tempo de cerca de 120 milhões de anos, cientistas comprovaram que alterações na sua alimentação podem influir na sua evolução. O estudo inédito foi publicado na Nature Communications, assinado por cientistas da USP, da Universidade de Amsterdã (Holanda) e da Universidade de Utah (EUA).
O biólogo Gustavo Burin, doutorando do Instituto de Biociências (IB) da USP e primeiro autor do artigo Omnivory in birds is a macroevolutionary sink (“Onivoria em aves é um ralo macroevolutivo”) , diz que o título dá uma ideia precisa de seu estudo. “Com o passar do tempo, as espécies onívoras frequentemente se extinguem e menos frequentemente geram novas espécies. No entanto, novas espécies onívoras são formadas devido a mudanças no ambiente e nos hábitos alimentares das aves”, descreve o cientista, explicando que espécies onívoras são as que consomem diversos tipos de alimentos, como insetos, frutos, plantas, sementes, sem nenhum tipo de alimento predominante. “Assim, podemos imaginar que houve uma espécie de ‘ralo evolutivo’, em que espécies com dieta especializada eventualmente tornaram-se onívoras e, uma vez onívoras, estavam fadadas à extinção.”
Desde Darwin, é sabido que os hábitos alimentares podem afetar a evolução das aves, “mas, até este estudo macroevolutivo, pouco se sabia como as dietas poderiam influenciar na dinâmica evolutiva de diferentes linhagens”.
Banco de dados
Burin conta que os dados referentes às aves sobre os quais ele aplicou o modelo matemático foram elaborados pelos cientistas W. Daniel Kissling e Çağan H. Şekercioğlu, que também assinam o texto.
Kissling e Şekercioğlu concluíram o Banco de Dados em 2012, mesmo ano em que os modelos estatísticos usados no estudo foram publicados. Com as diversas informações das mais de 10 mil espécies de todo o mundo, os autores as classificaram de acordo om suas preferências alimentares. Para tanto, quantificou-se oito tipos diferentes de alimentos: frutos; sementes; material vegetal (folhas, cascas, etc.); insetos; néctar; vertebrados; peixes; carniças (material em decomposição). “Separamos então nove grupos de acordo com o tipo de alimentação”, descreve Burin. Assim, os grupos foram ordenados da seguinte forma, de acordo com sua alimentação: frugívoros (que consomem frutas); carnívoros (que se alimentam de vertebrados terrestres); granívoros (sementes); herbívoros (material vegetal não reprodutivo); nectarívoros (néctar); insetívoros (insetos e invertebrados em geral); piscívoros (peixes) e carniceiros (material em decomposição). “O nono grupo classificado foi o dos onívoros, que não possuem nenhum tipo alimentar preferencial.”
Para determinar a classificação das aves em cada um dos grupos, levou-se em conta a quantidade de alimento consumido. Ou seja, um beija flor, por exemplo, consome não somente o néctar, mas outros tipos de alimentos. “Mas, como sua dieta é composta de ao menos 50% de néctar, o consideramos um nectarívoro”, explica Burin. E assim se deu com os outros grupos. Se um tipo de alimento compõe em 50% a dieta, a ave será considerada componente daquele grupo. “No caso dos onívoros, não há a prevalência de nenhum tipo de alimento em sua dieta. Eles consomem diversos tipos em quantidades quase que semelhantes. Não há a prevalência de nenhuma alimentação específica”, destaca Burin.
Especiação e extinção
O fato de ainda observarem um grande número de espécies onívoras é resultado, segundo Burin, dos processos de especiação e extinção e de mudança de dieta. “Especiação é o processo de surgimento de novas espécies de aves”, explica o biólogo. A extinção, por outro lado, ocorre quando todos os indivíduos de uma determinada espécie desaparecem do planeta. Esses processos, repetidos inúmeras vezes ao longo da evolução do grupo, geram padrões nos grupos de espécies viventes que podem ser examinados usando avançados modelos estatísticos. Neste estudo, as conclusões relacionam-se à dinâmica dos grupos de espécies com diferentes preferências alimentares (como carnvívoros, frugívoros, herbívoros, etc.).
Nossos resultados sugerem que a onivoria está associada a taxas de extinção mais elevadas e taxas de especiação mais baixas quando comparada com outras dietas. Além disso, as mudanças alimentares ocorrem preferencialmente no sentido de tornar uma espécie onívora, e não o contrário.
Assim, o estudo sugere que a onivoria atua como um dissipador macroevolutivo.
O estudo veiculado na Nature Communications é parte do doutorado de Burin que vem sendo desenvolvido no Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências (IB) da USP. Além dele, assinam o artigo os professores do IB Tiago Bosisio Quental e Paulo R. Guimarães Junior, do mesmo departamento, e W. Daniel Kissling e Çağan H. Şekercioğlu. O artigo pode ser acessado na íntegra neste link.
Mais informações: (11) 3091-0967, com Gustavo Burin Ferreira, email gustavoburin@usp.br