Um atleta não deve ser visto apenas como um “potencial” vencedor, medalhista de ouro ou recordista. É comum se olhar para jovens talentos e, simplesmente, vislumbrar vitórias futuras. Mas o caminho para se chegar ao sucesso não é feito somente de treinos e de talentos inatos. “Muitos veem um futuro atleta somente levando em conta seu potencial técnico ou físico. É preciso mais para que os resultados, lá na frente, sejam consistentes”, pondera a professora Ana Lúcia Padrão dos Santos, do Departamento de Esportes da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP.
Ela é autora de um trabalho inédito no País sobre as tendências de desenvolvimento de atletas de alto rendimento. “Até então, não havia no Brasil nenhum artigo do gênero, em português, que apontasse diretrizes para o desenvolvimento da carreira de atletas”, comenta a docente. Ana Lúcia e a aluna de pós-graduação da EEFE Roseane Raduan Alexandrino são as autoras do artigo Desenvolvimento da Carreira do Atleta: Análise das Fases e Transições. Publicado na revista científica Conexões, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o texto traz uma revisão de diversas teorias, do Brasil e do exterior, sobre o tema.
Modelo holístico
O estudo descreve e analisa criticamente a evolução da carreira dos atletas, mas considerando diversas variáveis que podem influenciar a progressão e o sucesso no esporte. O levantamento bibliográfico utiliza como fundamentação teórica o Modelo Holístico da Carreira do Atleta. “Esse modelo propõe a observação de diferentes níveis, como o atlético, psicológico, social, acadêmico e vocacional, e tem como preceito básico a existência de uma sequência de fases e transições relativamente comuns na vida dos atletas em cada nível”, explica Ana Lúcia.
De acordo com a pesquisadora, apesar de a literatura científica descrever tais níveis de maneira independente, é preciso considerar que existe significativa interação entre eles. “Temos de levar em conta toda a trajetória de um atleta e as fases interligadas pelas quais ele passa no esporte. Podemos citar como exemplo um jogador de futebol que, quando criança, pratica o esporte por lazer. Mais tarde, já na adolescência, começa a ter uma visão mais ambiciosa e, já na fase adulta, chega ao profissionalismo”, descreve.
Em todas essas transições é importante que o atleta seja acompanhado. Afinal, a vida de um atleta é sacrificante. “Mas quais sacrifícios são, de fato, necessários?”, questiona Ana Lúcia. Há muitos casos de jovens que partem em busca de seus sonhos de serem atletas profissionais que passam a conviver com a solidão, a saudade da família e precariedades econômicas. “A abordagem holística propõe uma reflexão sobre os modelos vigentes de apoio ao atleta e recomenda a adoção de uma perspectiva ampla e integradora dos elementos que podem orientar gestores, técnicos e os próprios atletas”, afirma Ana Lúcia.
E os técnicos?
Os técnicos, assim como os atletas, são personagens centrais no desenvolvimento do esporte. Afinal, eles estão por trás de todo atleta, seja qual for a modalidade, individual ou por equipe. O técnico quer a vitória tanto quanto o esportista, mas caso ela aconteça ou não, seu trabalho não se encerra.
Para ser um técnico é condição primordial ter o curso de bacharelado em Educação Física e a identidade dos Conselhos Federal e Estadual de Educação Física, no sistema Confef/Cref – Conselho Regional de Educação Física. “Existem no País cerca de 350 mil profissionais registrados no Conselho Federal de Educação Física [Confef]”, diz Ana Lúcia. “Isso sem contar os estrangeiros que por aqui atuam”, lembra a pesquisadora.
Para saber quais são as ações de qualificação profissional de treinadores, Ana Lúcia vem realizando, desde janeiro deste ano, a pesquisa Rio 2016: O legado para educação dos treinadores. O objetivo é identificar o legado dos jogos olímpicos para a capacitação e aprimoramento de treinadores esportivos e estudantes de cursos de Educação Física. A pesquisadora está registrando, classificando e analisando iniciativas educacionais de confederações esportivas, conselhos profissionais e instituições de ensino superior do Rio de Janeiro que têm como objetivo o aprimoramento de treinadores esportivos, e a possível relação com a realização dos jogos olímpicos – Rio 2016.
Muitas das respostas a pesquisadora terá somente ao final do próximo ano, quando esta pesquisa estará encerrada. Mas Ana Lúcia observa que parece haver indícios da necessidade de integração entre o ensino superior, conselhos federal e regionais de educação física e confederações dos esportes para se chegar a uma melhor formação de treinadores. O estudo conta com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Ações isoladas
Além de indícios de falta de integração, a pesquisadora conseguiu detectar algumas ações que visam ao aperfeiçoamento e ao aprimoramento de técnicos. Um exemplo é a ação da Academia Olímpica, entidade ligada ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB), que em 2015 iniciou um curso de capacitação de treinadores das modalidades atletismo, canoagem, ciclismo e remo. “Se levarmos em conta que estamos às portas dos jogos, é pouco”, lamenta Ana. “Tendo em vista que todos souberam, há sete anos, que o Brasil sediaria a Olimpíada, iniciativas mais abrangentes deveriam ter sido começadas já naquela época.”
Mais informações: email ana.padrao@usp.br, com a professora Ana Lúcia Padrão