O desejo de atingir resultados em curto prazo e a falta de apoio financeiro para os atletas têm levado à especialização esportiva precoce de crianças e jovens. Michele Carbinatto, professora da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, está fechando os dados de uma pesquisa na qual ela mostra que esta prática tem trazido inúmeros prejuízos aos jovens, que, por não estarem preparados para lidar com carga pesada de treino, pressão e ambiente de intensa competição, abandonam o esporte para se dedicar a outras atividades. A pesquisa, que começou em 2014, entrevistou técnicos que participaram de jogos regionais e abertos do Estado de São Paulo.
O caminho percorrido pelo ginasta até chegar ao pódio é um processo longo e envolve a inserção dele no ambiente de alto rendimento. Inicialmente, os treinos ocorrem em sessão diária, com três a quatro horas de duração. Quando atingem a seleção nacional, treinam duas vezes por dia, de três a quatro horas. Muitos são inseridos na modalidade cedo, por volta dos quatro ou cinco anos de idade. “Porém, os trabalhos intensivos são recomendados apenas a partir dos 11 anos, quando o atleta começa a buscar autonomia e se desenvolver com máximo de seu rendimento”, alerta Michele.
Longe das condições ideais, a pesquisadora aponta que a especialização esportiva no Brasil vem acontecendo cada vez mais cedo, sendo esta uma das principais causas de abandono da carreira esportiva. Baseada em relatos dos técnicos, Michele observou que crianças que deveriam estar iniciando no mundo esportivo com atividades lúdicas já estavam sendo submetidas a uma carga de exercícios como a de adultos. O objetivo era prepará-las para participar de campeonatos pré-infantis, cuja idade mínima exigida para competição era de apenas nove anos. Sem preparo, “as crianças são expostas a regras rígidas de arbitragens e a pressão psicológica em momentos inadequados”. Como consequência, quando estas chegam aos 14 , 15 anos, período em que elas poderiam ter mais maturidade psicológica e condições físicas para o alto rendimento, já estão saturadas e não veem o esporte como uma prática prazerosa.
Outra razão apontada pela pesquisa foi a falta de apoio financeiro público. A primeira categoria de bolsa- atleta oferecida pelo governo brasileiro tem como critério a conquista de medalha em campeonatos internacionais, que no caso da ginástica artística é representado, principalmente, pelo Sul-Americano. Pressionados por essas exigências, os técnicos estabelecem programas de treinamentos pesados a fim de conseguir o máximo de rendimento dos atletas mirins, para terem condições de chegar ao Sul-Americano e pleitearem bolsa para custeio de suas despesas. Michele explica que o nível socioeconômico dos atletas da ginástica é baixo e muitos deles, na adolescência, precisam trabalhar para ajudar a família.
Treinamento técnico especializado
Os programas de treinamentos intensivos propõem exercícios sistemáticos em um único tipo de esporte e a especialização em um único aparelho. Segundo Michele, estudos paralelos ao dela têm demonstrado que essa prática prejudica muito o desenvolvimento das pessoas no mundo esportivo. Em sua opinião, a carga de treinamento deve ser preparada respeitando-se os aspectos biológicos das crianças e dos jovens.
Entre os 10 e 16 anos, os meninos e as meninas passam por modificações no corpo que influenciam nos treinos e nos resultados de seu desempenho. O estirão de crescimento e a maturação biológica levam a uma nova altura e a um novo peso corporal, que vão interferir diretamente na qualidade técnica dos atletas. É comum, por exemplo, que neste período “aconteçam mais lesões devido às mudanças na relação desenvolvimento, força e flexibilidade”. Atletas que tinham facilidade na execução de exercícios em um determinado aparelho passam a ter dificuldade neste e a ser melhores em outro. Segundo a pesquisadora, é preciso dar mais atenção aos jovens nessa fase. Eles precisam de um tempo para se reorganizarem e se adaptarem às mudanças que acontecem na adolescência. Os técnicos e os professores devem buscar mais conhecimento desse processo de mudanças biológicas de seus alunos para respeitar o momento cronológico de cada um e manter o atleta dentro do esporte, recomenda.
Mesmo com o aumento das exigências do esporte competitivo, Michele afirma que não é necessário antecipar etapas. Cada momento deve ser vivido nas idades certas correspondentes a cada modalidade. Apesar de a mídia mostrar que os jogos olímpicos são disputados, em sua maioria, por jovens, existem muitos outros exemplos que mostram o contrário. É o caso da Oksana Aleksandrovna Chusovitina, de 41 anos, uma ginasta do Uzbequistão que competirá em sua sétima Olimpíada. Um exemplo brasileiro é o da Daniele Hypólito, de 32 anos, que estará presente nos jogos olímpicos pela quinta vez.
Ginástica artística
A ginástica artística, também conhecida no Brasil por ginástica olímpica, é uma modalidade de ginástica em que os atletas realizam um conjunto de exercícios em diferentes aparelhos. A apresentação exige força, agilidade, flexibilidade, coordenação, equilíbrio e domínio do corpo. Os homens fazem suas provas em barras fixas, barras paralelas simétricas, cavalos com alças, salto sobre a mesa, argolas e solo. As mulheres executam exercícios no solo, com fundo musical, salto sobre a mesa, paralelas assimétricas e trave de equilíbrio. A ginástica é um dos esportes que fazem parte das Olimpíadas desde a sua primeira edição da Era Moderna, em 1896, em Atenas.
Mais informações: (11) 3091-2247, email mcarbinatto@usp.br