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Grupo escolar no início da Primeira República - Foto: Wikimedia Commons
Reforma educacional paulista de 1920 aconteceu sob vaias e aplausos
Estudo desenvolvido na USP mostra atuação da imprensa em torno das críticas à reforma de ensino proposta por Antonio de Sampaio Doria há 100 anos
Durante o período conhecido no Brasil como Primeira República ou República Velha (1889-1930), o Estado de São Paulo era considerado um modelo de progresso a ser alcançado por outros Estados no Brasil. Na área da educação, essa ideia mostrou-se distante do ideal quando um recenseamento escolar, aplicado em 1920, mostrou que mais de 36,5 mil crianças, entre 6 e 12 anos, eram analfabetas e 28,5 mil não frequentavam a escola.
A fim de combater o analfabetismo revelado pelo recenseamento, o então diretor de Instrução Pública do Estado, Antonio de Sampaio Doria (1883-1964) propôs um projeto de lei para alterar o sistema de ensino vigente, causando debates que foram registrados na imprensa, conforme mostra a tese Vozes impressas: a reforma de 1920 em pauta na imprensa paulista. A pesquisa foi defendida em 2017 pela pedagoga Louisa Mathieson na Faculdade de Educação (FE) da USP.
No período anterior à reforma, a instrução pública em São Paulo — ou ensino primário — era formada por três modelos: escolas reunidas, isoladas e os chamados grupos escolares, considerados de maior prestígio.
As escolas reunidas funcionavam com classes multisseriadas, ou seja, estudantes de diferentes idades e níveis educacionais participavam de uma mesma turma. Já o ensino primário nas escolas isoladas era composto de uma única classe, também multisseriada. Caso a escola fosse urbana, a duração do ensino seria de quatro anos; se distrital, três anos; e no caso das escolas rurais, dois anos.
Já os grupos escolares eram organizados em quatro anos seriados, com professores e salas específicas para cada ano escolar. “Representavam a excelência do ensino paulista, contando ainda com direção e prédio apropriado”, explicou a pesquisadora. Esses diferentes modelos de funcionamento, contudo, não formavam um sistema de ensino.
Louisa Mathieson, pesquisadora da Faculdade de Educação da USP - Foto: Arquivo pessoal
O projeto de reforma de 1920 propôs, então, que o ensino primário nas escolas tivesse dois anos de duração. A carga horária das aulas também foi diminuída de quatro ou cinco horas diárias para duas horas e meia. Dessa forma, um professor poderia instruir duas turmas em um mesmo dia, por exemplo.
“A ideia de Sampaio Doria era oficializar o que de fato já acontecia na prática nas escolas isoladas, onde o ensino usualmente era de dois anos de duração, e, ao mesmo tempo, preservar o ensino de quatro anos nos grupos escolares”, disse Louisa.
Aula de leitura em escola de Campinas, em 1939 - Foto: Reprodução/ EEPG Orozimbo Maia
Sampaio Doria, em destaque, discursa para autoridades em 1945 - Foto: Arquivo Nacional
O diretor da Instrução Pública entendia que com a diminuição seria possível alfabetizar o maior número de crianças possível, o que contribuiria para diminuir o alto índice de analfabetismo, considerado um impedimento para o progresso do País, conforme relatou a pesquisadora.
“Escolarizar a população significava implantar a República almejada. A educação e o progresso econômico do País seriam faces da mesma moeda. Inversamente, o analfabetismo era entendido como uma doença que, enquanto não fosse sanada, impediria um futuro promissor”, salientou.
Infográfico com o resultado final do recenseamento escolar de 1920 publicado nos jornais da época - Imagens retiradas da tese de Louisa Mathieson - Acervo: Hemeroteca da Biblioteca Nacional
O estudo mostra, a partir da coleta de matérias publicadas na imprensa paulista, que o projeto de Reforma foi apoiado pela opinião pública, ao mesmo tempo, muitas críticas negativas e debates foram direcionados a ele.
O Jornal do Commercio, por exemplo, foi um dos principais articuladores do debate sobre constitucionalidade da lei a partir de artigos produzidos por juristas sobre o assunto. Os textos criticavam a cobrança de taxas que a Reforma poderia ocasionar, o que seria inconstitucional, pois a Constituição de 1891, em vigor na época, instituiu o ensino primário gratuito.
“Com a reforma, o ensino primário seria reestruturado e contaria com apenas dois anos de duração; por sua vez, a terceira e quarta séries primárias passariam a pertencer ao ensino médio, abrindo-se a possibilidade de se cobrar uma taxa”, afirmou Louisa.
Parte das críticas também acusava o ensino aligeirado proposto por Doria de ser simplista e não formador. A pesquisadora afirmou, porém, que o próprio Sampaio Doria não considerava a escola de dois anos suficiente para uma formação completa. O intuito era acelerar a alfabetização com os recursos propostos pelo Estado, insuficientes para a ampliação do número de escolas, por exemplo.
As acusações feitas na imprensa receberam visibilidade quase imediata, ao passo que o apoio demonstrado por diversos outros veículos não teve a mesma repercussão, como o Correio Paulistano, O Estado de S. Paulo, A Platéa e A Gazeta, demonstra o estudo.
Charge publicada em O Combate, 1920. Imagem retirada da tese de Louisa Mathieson - Acervo: Hemeroteca da Biblioteca Nacional
Os debates apresentados na imprensa deixaram de lado as opiniões de professores e funcionários da Instrução Pública, ponto que permanece atual para a pesquisadora. “Entre a reforma de cem anos atrás e a atualidade, destaco na educação brasileira o seguinte ponto em comum: educadores não são ouvidos como especialistas para falarem sobre sua própria área”, destacou.
Apesar das críticas e alterações realizadas pelo governo, a proposta foi implantada e durou até 1925, tornando-se marco das reformas educacionais no Brasil.
A pesquisa e a pesquisadora
Louisa Mathieson é doutora em Educação pela Faculdade de Educação (FE) da USP e atua no Colégio Santa Cruz, em São Paulo. Sua tese de doutorado foi financiada pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
Os periódicos paulistanos buscados em arquivos foram as principais fontes. Por meio deles, além dos objetos principais da pesquisa, Louisa identificou aspectos do imaginário social da época. Sobre os infográficos do jornal Correio Paulistano que exploravam o recenseamento escolar, por exemplo, ela descreveu:
“A criança, que representa o número de analfabetos, tem seus olhos vendados e não carrega objetos. Já a imagem da criança, que representa o número de crianças que não frequentam a escola, está com roupas puídas, pés descalços, um chapéu que encobre o rosto, uma postura de lado e corpo encurvado.” Os infográficos seguintes seguiram o mesmo padrão, demonstrando que na ocasião “as crianças carregavam o próprio fardo e estigma de estarem nessa condição de analfabetas”, afirmou a pesquisadora.
Foi a partir desse achado que ela decidiu se dedicar a ler sobre estatística educacional e semiótica, “temas que num primeiro momento não figuravam no projeto de pesquisa”, destacou.
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