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Grupo da USP analisa dados sobre a presença e representação feminina na mídia

Pesquisadores do AlterGen, da Escola de Comunicações e Artes, participaram do Global Media Monitoring Project, iniciativa que coleta e analisa dados em notícias de jornais, TV, rádio e internet

 13/09/2021 - Publicado há 3 anos

Amanda Ferreira/ECA USP

A representação de mulheres nas mídias ainda tem muito o que avançar em todo o mundo. Essa é uma das conclusões da última edição do Global Media Monitoring Project (GMMP), iniciativa que analisa a presença de mulheres e as histórias contadas sobre elas nas notícias veiculadas em jornais impressos, televisão, rádio e internet em mais de 120 países. No Brasil, diversas equipes de pesquisadores participaram do estudo, incluindo o grupo de pesquisa AlterGen, coordenado pela professora Claudia Lago, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. 

Nascido na 4ª Conferência Internacional de Mulheres, realizada em 1995 na cidade de Pequim, na China, o GMMP busca contribuir para a promoção da equidade de gênero no planeta, reconhecendo a importância da disputa dos chamados “sistemas midiáticos”, que englobam os diversos veículos e formatos de mídia e suas inter-relações comunicacionais, econômicas, sociais e políticas. 

“As mulheres não apenas têm que estar presentes como profissionais nesses sistemas midiáticos para fazer a diferença, como a gente também tem que entender como é que eles reforçam as representações de gênero e como isso entra na vida das pessoas”, destaca Claudia.

Realizado a cada cinco anos, o levantamento do GMMP identifica e analisa todas as notícias veiculadas em uma determinada data, com base em uma metodologia composta de diversas perguntas sobre características gerais e específicas da matéria (veículo de publicação, tema, abrangência local, nacional ou internacional, além de questões sobre a presença e a forma como as mulheres são retratadas). Também é perguntado o gênero dos repórteres e de outros profissionais envolvidos na produção e veiculação da notícia. Com a pandemia, houve ainda a inclusão de questões sobre a covid-19. 

Cláudia Lago trabalha com gênero e construção de alteridades - Foto: Lattes

Claudia Lago, professora da Escola de Comunicações e Artes da USP e coordenadora do Grupo AlterGen - Foto: Divulgação/ECA USP

Apesar de conhecer o GMMP há alguns anos – Claudia usa os dados da plataforma na disciplina Gênero, Mídia e Educação -, esta é a primeira vez que ela e o Altergen participam da pesquisa. O Brasil contou com equipes em todas as regiões do País, somando 88 monitores/pesquisadores. O AlterGen participou com o acréscimo de outros pesquisadores convidados por Claudia, como a professora Daniela Osvald Ramos, também da ECA, e estudantes da pós-graduação e de projetos de extensão, totalizando 19 pessoas. O time se dedicou à análise de matérias veiculadas no dia 29 de setembro de 2020 pela Folha de S. Paulo on-line e pela Rádio Jovem Pan, mais especificamente no Jornal da Manhã, principal programa noticioso da emissora. Das 370 notícias inicialmente identificadas, foi preciso fazer um recorte de 15 matérias, para que a quantidade de dados fosse compatível com os demais levantamentos no Brasil e em outros países. 

Mulheres são assunto quando são vítimas

O grupo da ECA indicou que, em média, 23% das matérias diariamente publicadas no mundo citam mulheres. “É um dado aterrador, se a gente pensar que as mulheres são mais do que a maioria da população do planeta.” E esse número não tem mudado muito com o tempo, segundo a docente. Além disso, quando aparecem nas matérias, as mulheres “não são citadas como especialistas; elas são sempre aproximadas dos lugares tradicionais de gênero”. Nas poucas ocasiões em que aparecem como especialistas, as mulheres tendem a ser de áreas associadas ao cuidado, como pediatria e psicologia, vistas como tradicionalmente femininas.

O relatório final da pesquisa indica que, nesse ritmo, serão necessários pelo menos 67 anos até que haja uma proporção igualitária de mulheres e homens na mídia. O estudo também mostra como o  papel das mulheres na luta contra a covid-19 não tem sido devidamente representado. De cada três especialistas em saúde que aparecem nas notícias sobre o assunto, apenas uma é mulher. Essa proporção não condiz com a realidade, já que a média mundial de mulheres com cargos especializados na saúde é de 46%. 

Mulheres como assuntos e fontes em notícias: progresso sem revolução. Os países em verde-claro apresentam os maiores níveis de equidade (ou menor gender gap), enquanto os países em azul-escuro têm a menor equidade - Fonte: GMMP 2020

Dados mostram a proporção de mulheres e homens como fontes em notícias publicadas em diversas plataformas no Brasil. Fonte: GMMP

A situação é ainda pior para mulheres que integram grupos marginalizados na sociedade. Na América Latina, por exemplo, indígenas correspondem a apenas 1% dos assuntos e fontes (pessoas vistas, ouvidas ou sobre as quais se fala) em notícias televisivas, apesar de serem 8% da população da região. Dentro dessa pequena fatia, somente três de cada dez indígenas retratados são mulheres. 

No Brasil, os dados mostram que há um certo equilíbrio na ocupação de funções relacionadas à produção e veiculação de notícias, com média de 50% de apresentadoras e 46% de repórteres mulheres nos jornais impressos, televisão e rádio. No entanto, isso não se reflete em uma maior presença das mulheres nas histórias trazidas pelas notícias: somente 27% delas apresentaram mulheres como assunto e fontes. 

Quando se analisa a distribuição por gênero de acordo com cada área de cobertura jornalística, as profissionais mulheres aparecem como minoria na maior parte dos casos. Um exemplo é a área de Economia, que conta somente com 16% de apresentadoras e repórteres mulheres. Até quando o assunto é Gênero, as mulheres surgem em menor proporção do que os homens: 47% a 53%, respectivamente. 

Um dos poucos casos em que as mulheres prevalecem enquanto assunto e fontes das notícias é quando a história conta com alguma vítima. Nesse tipo de matéria, 63% das vítimas retratadas são mulheres. 

Os dados do GMMP atestam a persistência de um viés masculino na produção de narrativas jornalísticas, que reforçam, às vezes de maneira explícita, em outras com mais sutileza, diversos estereótipos sobre mulheres. Para Claudia, a análise mostra também como se perdem oportunidades de mudar esse cenário. “[As notícias] perdem a chance de contrapor. Não existe esse olhar, não existe um olhar que construa uma perspectiva de gênero, e muito menos de raça, nas matérias.” Segundo ela, uma forma de fazer isso seria trazer especialistas mulheres para falar de assuntos como economia e política, ainda muito associados ao universo masculino.

A docente da ECA ressalta o papel fundamental das escolas de Comunicação na transformação dessa realidade. “A gente tem que começar a construir esse olhar nos nossos cursos. A gente não pode se omitir de fazer isso. Existem muitas iniciativas e muitos apontamentos, mas tem que ser uma coisa muito mais intencional e efetiva, cotidiana e consciente. Tem que ter um projeto consciente de fazer isso, que envolva todos os professores e todas as professoras, não só alguns e algumas que tenham essa preocupação. Tem que estar no currículo dos cursos.”

Acesse o relatório completo do GMMP 2020, disponível em inglês, espanhol, francês e árabe neste link. Você também pode conferir o relatório específico sobre o Brasil, em português

Confira no player evento em que o AlterGen discutiu os resultados do estudo. A atividade abriu a última edição do encontro Fazendo e Desfazendo Gênero na ECA, promovido pelo AlterGen e o Diversidade na ECA, com apoio da Comissão de Direitos Humanos da ECA, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação e do Departamento de Comunicações e Artes. 


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