O negacionismo ambiental e as promessas de privatização de Javier Milei

Pedro Luiz Côrtes afirma que o presidente argentino terá dificuldades para cumprir suas propostas de campanha

 24/11/2023 - Publicado há 5 meses
A nova administração argentina se propõe a ser enxuta, com a promessa de encerramento de dez Ministérios – Foto: Brian Barbutti – Flickr
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O destaque do meio ambiente da semana aborda a promessa de Javier Milei, presidente da Argentina, eleito no último dia 19, de reduzir financiamento e encerrar agências científicas importantes entre as medidas que objetivam enfrentar a crise no país.

Professor titular da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da Universidade de São Paulo (USP), Pedro Luiz Côrtes, discorre sobre o negacionismo do governante argentino e suas consequências. 

Negacionismo ambiental e seu impacto

O governante argentino disse, durante a campanha eleitoral, que as mudanças climáticas atuais não são consequências da atividade humana e que as empresas deveriam poder poluir os rios à vontade. Além disso, ele sinalizou com reduções significantes das verbas destinadas às universidades públicas e aos institutos de pesquisa.

Pedro Luiz Côrtes – Foto: Reprodução/Câmara São Paulo

O primeiro trabalho moderno publicado, que aponta as consequências do acúmulo de CO2 na atmosfera para as mudanças climáticas, data de 1970, nos Estados Unidos. Côrtes contraria aqueles que dizem ser este um “complô chinês”. “Esses estudos científicos, que tiveram origem nos EUA há mais de 50 anos, possuem um embasamento científico muito grande.”

Nesse sentido, o especialista alerta para os riscos desse pensamento negacionista e relembra que, durante o governo Bolsonaro — que tinha uma linha de pensamento parecida à de Milei —, houve uma evasão grande de pesquisadores para o exterior em busca de melhores condições. Essa realidade influencia para que os cientistas se mantenham fora de seu território natal, impactando a perda de capital intelectual, científico e humano e retardando o desenvolvimento de pesquisas relevantes para o país.

A nova administração argentina se propõe a ser enxuta, com a promessa de encerramento de dez Ministérios, com a finalidade de agilizar a máquina pública. Entretanto, Côrtes ressalta que isso resulta em um acúmulo de funções e, consequentemente, as decisões se tornam lentas. Ele ainda completa que não haverá, necessariamente, uma redução do número de funcionários, que é um custo alto para o governo.

“Em relação às questões ambientais, a Argentina tem um capital valioso, os parques nacionais, que possuem reservas importantes que trabalham com o turismo sustentável e conseguem um nível excelente de preservação. Então há uma dúvida: como esses parques serão geridos nessa nova administração?” indaga o professor.

Relações com vizinhos

Esse possível descaso de Milei pode impactar a governança das fronteiras hídricas e terrestres da Argentina com Paraguai e Brasil. A implantação de indústrias nas margens da Bacia do Paraná pode poluir, de maneira desmedida, os rios, prejudicar os países que são banhados por eles e, dessa forma, gerar questões diplomáticas.

De acordo com Côrtes, áreas florestais da Argentina ficam sujeitas a incêndios durante o verão, por conta da seca e, caso haja uma redução de fiscalização e medidas combativas às queimadas, a consequência pode significar um prejuízo para a preservação ambiental do país. “Outra repercussão pode ser em relação ao uso de agrotóxicos, muitos não autorizados em outros locais, que podem prejudicar as exportações argentinas de carne e de soja”, afirma.

O presidente argentino sinalizou que não dá importância para o acordo, que está sendo costurado, entre Mercosul e a União Europeia. O tratado prevê que, caso as questões ambientais não sejam consideradas, medidas serão tomadas e, nesse âmbito, pode prejudicar as exportações de commodities agrícolas da Argentina.

Côrtes explica porque, em sua opinião, a promessa de privatização em massa do governante não será concretizada: “Boa parte da equipe que está sendo nomeada pertencia ao governo Macri, que não fez isso. Uma coisa é o Milei da campanha e outra coisa é o Milei na prática tendo que lidar com os políticos com grande experiência, seja de um lado ou do outro”.

Influência na COP28

Javier Milei tomará posse como presidente da Argentina dois dias antes do final da COP28 e isso pode impactar diretamente as decisões da delegação argentina. “A delegação vai estar em uma espécie de limbo, pois vai estar pegando uma transição de um governo para outro, com uma proposta totalmente diferente, e pode ser que no final ela seja desautorizada a participar da celebração de um acordo”, discorre.

Por fim, o professor compara o governante argentino ao ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no sentido de que, da mesma forma que Trump tentou retirar os EUA do Acordo de Paris, Milei pode vir a se manifestar de maneira semelhante. Contudo, ele ressalta que o processo de saída de fóruns internacionais não é imediato, com um prazo médio de quatro anos para que isso ocorra.


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