Os precatórios podem ser caracterizados como solicitações de pagamentos realizados pelo Poder Judiciário para que um ente público pague uma dívida indenizatória. Esses estão previstos pela Constituição Federal e podem apresentar relação com questões pensionárias, tributárias, salariais, contratuais, entre outras.
Hoje, a Prefeitura de São Paulo é um dos maiores devedores de precatórios no País — dos 20 bilhões de dívidas consolidadas, mais de 90% delas são de precatórios judiciais — e é possível notar que um dos desdobramentos do atraso no pagamento dessas dívidas é o mercado de compra de precatórios. O novo prazo previsto para o pagamento dessas despesas é para até 2029, data que apresenta altas chances de ser renovada novamente. O professor Vitor Rhein Schirato, do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da USP, comenta que a questão dos precatórios parece ser um problema eterno no Brasil.
O tribunal de contas do município já deu um alerta para a dívida de curto prazo da Prefeitura; apesar do montante de dívidas, nota-se que a gestão vinha apresentando uma situação relativamente favorável com relação aos gastos, com exceção à questão dos precatórios, que vem sendo empurrado ao longo dos anos a favor dos entes federativos.
Cenário nacional
É interessante notar que os precatórios já foram objetos de algumas emendas constitucionais que, segundo o especialista, conseguiram tornar a situação ainda pior que sua forma anterior. Isso acontece, pois o poder público tende a jogar para frente a obrigação de pagar os valores devidos a título de precatórios. Para Schirato, esse cenário tornou-se comum, pois “precatórios são um gasto ruim politicamente falando, já que eles não geram obra pública ou programa social. Apenas pagam a dívida gerada pelo antecessor, então ninguém quer pagar isso”, discorre.
Contudo, considerando que, atualmente, a taxa de juros básica nacional é de cerca de 14% as dívidas públicas vão se tornando ainda maiores com o decorrer do tempo. “Teria que ser tomada alguma providência definitiva para zerar o problema dos precatórios”, comenta o professor. É também interessante notar que, pela Constituição Federal, parte do orçamento público deve ser destinada exclusivamente ao pagamento desses valores, mas o volume financeiro disponibilizado para essa área não corresponde ao montante que precisa ser pago.
Assim, o grande problema da questão parece ser o acumulamento dessa dívida, pois nenhum gestor paga devidamente o valor de precatórios necessário para o quitamento final. Schirato descreve que a ação de não pagar esses valores é feita deliberadamente, já que o responsável não sofre nenhuma sanção em contrato, assim, as leis processuais brasileiras protegem a administração. “No Brasil, o problema dos precatórios é muito devido a uma cultura da administração do calote e da inadimplência. A administração tem uma cultura de ser inadimplente porque ela não tem sanção”, explica.
O gestor, portanto, não responde deliberadamente ao deixar de pagar essas dívidas e o processo é estendido por mais tempo. Observa-se que, para os políticos que pretendem se reeleger, a questão dos precatórios deve passar a ser levada em consideração como proposta política a ser atendida de maneira prática.
Mercado
Considerado o cenário apresentado, é possível notar que a formação de um mercado de precatórios foi consolidada ao longo dos anos. Este funciona com base no pagamento antecipado das dívidas, mas a sua realização é feita com considerável desconto. O professor explica que a correção monetária dos precatórios é muito interessante, sendo melhor que grande parte das aplicações financeiras disponíveis.
O processo de pagamento costuma ser apresentado por meio de um vendedor que oferece um desconto no pagamento total à vista para determinado indivíduo — esse desconto é proporcional ao tamanho da demora da quitação, assim, quanto maior é o histórico de demora de pagamento de um determinado ente federativo, maior é o desconto sobre o valor total. Por outro lado, quanto maior é o desconto, maior é a rentabilidade da operação. “Então, o histórico de inadimplência do Estado brasileiro gera um mercado de compra dos créditos com desconto porque é extremamente lucrativo e isso não é ilegal”, fala Schirato.
É interessante notar que quem criou esse cenário foi o próprio poder público ao atrasar constantemente o pagamento desses valores. O especialista explica que não é possível obrigar o credor a ficar anos esperando a quitação de sua dívida, mesmo que esse processo não seja financeiramente rentável para os vendedores. “Isso existe porque o poder público é caloteiro e não existe nenhuma sanção de improbidade […] Temos que penalizar o gestor que deliberadamente não paga um contrato”, finaliza.
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