Inflação, juros, meta de inflação e o consumidor: uma história intrincada

Heron do Carmo explica a variação no IPCA-15, expectativas da reunião do Copom de hoje (1º) e discute a meta de inflação

 01/02/2023 - Publicado há 1 ano
Alguns itens presentes na cesta básica sofrem volatilidade de preços por conta de fatores climáticos, do comércio externo e da situação econômica mundial – Arte sobre ilustração Freepik
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No último dia 24 foi publicado pelo IBGE o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), que apresentou alta de 0,55% no primeiro mês deste ano, ante os 0,52% de dezembro.  O IPCA mede, a cada mês, “a variação de preços de uma cesta de produtos e serviços consumida pela população”, da qual fazem parte itens básicos de alimentação da família brasileira. O índice de preços é usado para calcular a inflação, que é segurado pela taxa de juros.

 

No último dia 24 foi publicado pelo IBGE o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), que apresentou alta de 0,55% no primeiro mês deste ano, ante os 0,52% de dezembro.  O IPCA mede, a cada mês, “a variação de preços de uma cesta de produtos e serviços consumida pela população”, da qual fazem parte itens básicos de alimentação da família brasileira. O índice de preços é usado para calcular a inflação, que é segurado pela taxa de juros.

Heron do Carmo – Foto: FEA

“Nós temos um problema inflacionário crônico, que vem praticamente desde o período da Segunda Guerra Mundial”, diz Heron do Carmo,  professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP e um dos principais especialistas em inflação do País. Todos os grupos pesquisados pelo IPCA sofreram aumento em janeiro, porém, os que tiveram  maior impacto foram saúde e cuidados pessoais, com um aumento de 1,10%, e alimentação e bebidas, com 0,55%. Esses dois grupos têm impacto direto na cesta de produtos do consumidor brasileiro. 

Alguns itens, inclusive presentes na cesta utilizada pelo IPCA, sofrem volatilidade de preços por conta de fatores climáticos, do comércio externo e da situação econômica mundial. Um exemplo disso é o aumento do preço dos combustíveis no ano passado, decorrente da guerra entre a Ucrânia e a Rússia, que afetou o mercado internacional de grãos. A previsão da inflação, portanto, tem que levar todos esses elementos em consideração. Essa volatilidade acaba por afetar diretamente o consumidor brasileiro, que se vê dependente de itens básicos de alimentação que estão completamente sujeitos à variação de preços por conta de fatores externos não controláveis. Um exemplo disso é um período de seca que pode afetar uma plantação e causar a escassez de certo produto, aumentando seu preço.

Juros

“Juros são um dos componentes importantes da contenção inflacionária, mas a política monetária deve atuar na mesma direção da política fiscal”, explica o professor. Um freio na política monetária e expansão da política fiscal faz com que a primeira não tenha o efeito esperado na contenção da inflação. Hoje (1º) ocorre a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que deve decidir a taxa básica de juros (Selic), que está em 13,75% ao ano. O resultado deve ser liberado às 18h30, após o término da reunião. 

O Banco Central aumentou muito a taxa de juros no ano passado, ao passo que a manteve no período quando o antigo governo decidiu, em julho, reduzir tributos. “O que causou uma deflação no trimestre julho a setembro do ano passado”, diz Heron do Carmo. O que exemplifica isso é a mudança no IPCA: em 12 meses saiu de 12% em abril, foi para 7% em setembro e 5,79% no final do ano. Desde o final do ano, o BC opera com uma taxa de juros acima da inflação e, na avaliação do professor, deve manter essa posição na expectativa  de aprovação da reforma fiscal, do novo marco regulatório fiscal e retorno de tributos que tinham sido reduzidos ou zerados, como o ICMS do combustível. Todos esses aspectos acabam influenciando a inflação. 

“Provavelmente o Banco Central adotará uma política mais conservadora. Aliás, bem conservadora. O que nós estamos verificando é que o BC pode pensar em reduzir a taxa de juros, desde que, de fato, a questão fiscal evolua”, analisa ele. A possibilidade de redução de juros depende da situação fiscal. A expectativa é que, pelo quarto encontro consecutivo, o BC mantenha a taxa em 13,75%

Impactos para as famílias

O cenário internacional causou um forte aumento nos preços de combustíveis e alimentos a partir de fevereiro de 2022, o que causou um problema sério para as famílias.  Para entender melhor, utilizando a Calculadora do IPCA, de janeiro a dezembro houve uma variação de 5,79% nos preços. Isso significa que, se a cesta custava R$ 900 em janeiro, em dezembro passou a custar R$ 952,07. 

“Para dar uma ideia, os alimentos semielaborados chegaram a variar, em meados do ano passado, em uma taxa de 18% em média. O açúcar, 22%, produto de origem animal, 15%, e frutas, 34%”, diz Heron do Carmo. Isso, porém, não deve acontecer este ano. De acordo com o economista, o aumento do preço dos alimentos vai ficar mais próximo da taxa de inflação: “Essa volatilidade de preços relativos, ou seja, um produto sobe muito, outro produto sobe menos, será menor”. O que se espera é uma recomposição de preços de combustíveis, que depende da taxa de câmbio e política de preços da Petrobras, que pode mudar com o novo governo.  

Meta de inflação

A meta de inflação, de maneira muito resumida, consiste em uma obrigação por parte da autoridade monetária de manter a inflação dentro de um intervalo. As opiniões contrárias a essa meta surgiram, de acordo com Heron do Carmo, por conta do aumento da meta de inflação nos Estados Unidos e em países da Europa. “Lá [EUA], nós devemos lembrar que a inflação saiu de zero para quase 10%  num país de uma economia já organizada”, diz.

Diminuir essa meta, atualmente em 3%, demandaria um esforço muito grande em termos de política monetária e um  aumento forte de juros, o que é muito difícil para o Brasil, que passa por um momento de alta inflacionária. “A sociedade brasileira, a muito custo, conseguiu reduzir a taxa de inflação”, lembra o economista. Enquanto não há rigidez na Europa e nos EUA sobre a meta inflacionária, o caso nacional é diferente. “Se a meta é afrouxada, nós perdemos a garantia de que a inflação vai se manter nesse patamar”, explica. “Uma outra questão importante é que a ideia de afrouxar a meta de inflação implica aceitar uma inflação mais alta. E a inflação é um imposto que pega as pessoas de menor renda”, complementa. 

Para ele, seria melhor manter a meta e, eventualmente, aceitar que fosse atingida com prazo um pouco maior, mas não deixar de existir. Importante ressaltar que não é aumentando a meta que se diminuem os juros. Isso será possível apenas com pouca interferência do Estado na economia e mantendo a autonomia do Banco Central, algo ainda incerto neste novo governo. 

Lula já demonstrou interesse em aumentar a meta para 4,5% e chegou a dizer que a atual inibe o crescimento da economia. Na esteira da má comunicação entre o presidente e o ministro da Economia, Haddad amenizou o mercado e disse que as discussões devem ser feitas com tranquilidade e “sobriedade”. Um estudo publicado pelo Banco Itaú demonstra que, caso a meta de inflação de fato aumente, o BC pode vir a aumentar a taxa Selic para 15%. 


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