Entre pressões e propostas: o intenso debate sobre o ensino médio no Brasil

O Projeto de Lei 5230/23 tem como objetivo principal reformular aspectos criticados da reforma do novo ensino médio, mas enfrenta obstáculos na Câmara dos Deputados

 18/12/2023 - Publicado há 4 meses
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O Projeto de Lei 5230/23 tem como objetivo principal reformular aspectos criticados da reforma do novo ensino médio – Foto: Gabriel Jabur/Agência Brasília
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A Câmara dos Deputados, na noite de quarta-feira (13), aprovou com urgência a votação do projeto que redefine as regras do novo ensino médio. Com 351 votos a favor e 102 contra, o requerimento foi aceito, permitindo que a proposta seja diretamente discutida e votada no Plenário, sem passar por comissões temáticas. A votação no Plenário está prevista para ocorrer o mais cedo possível para os congressistas.

Essa decisão ocorreu após um movimento significativo do governo Lula em 11 de dezembro, quando foi retirado o pedido de urgência constitucional para o projeto de lei 5230/23. Esse projeto, que propõe mudanças nas diretrizes da Política Nacional de Ensino Médio, foi inicialmente apresentado pelo próprio governo federal, mas enfrentou obstáculos na Câmara dos Deputados.

O Projeto de Lei 5230/23 tem como objetivo principal reformular aspectos criticados da reforma do novo ensino médio, implementada sob a administração do ex-presidente Michel Temer (MDB) em 2017. As mudanças dessa reforma começaram a ser aplicadas em 2022. A nova proposta visa a estabelecer um mínimo de 2.400 horas totais para a formação geral básica, superando o limite anterior de 1.800 horas, e destaca a importância do ensino presencial.

No entanto, após ser apresentado na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei foi designado ao deputado Mendonça Filho (União Brasil/PE) como relator. Mendonça, ex-ministro da Educação e um dos responsáveis pela instituição do novo ensino médio, ao lado de Michel Temer, está em oposição ao governo Lula e diverge em vários aspectos do texto original do projeto.

A principal divergência entre o deputado e o governo reside na carga horária dedicada à formação básica dos estudantes. Essa formação inclui disciplinas como português, matemática, biologia, física, química, filosofia, geografia, história e sociologia. Mendonça Filho propôs um mínimo de 2.100 horas, com 300 horas sendo flexíveis, em contraste com as 2.400 horas propostas pelo governo para essa formação.

Reformulação necessária

Para Fernando Cássio, doutor em Ciências pela USP, as diretrizes atuais da Política Nacional de Ensino Médio precisam ser reformuladas. O novo ensino médio ampliou a carga horária total para 3 mil horas letivas, dividindo-a entre formação geral básica e itinerários formativos.

Fernando Cássio – Foto: Reprodução YouTube

Das horas totais, 1.800 são dedicadas às disciplinas da formação geral básica. As restantes 1.200 horas são para os itinerários formativos, um conjunto de disciplinas, projetos, oficinas e núcleos de estudo que os estudantes podem escolher no ensino médio. Na visão de Fernando Cássio, esses itinerários “podem ser qualquer coisa”.

“A situação atual nas redes de ensino é esta: estudantes, a partir do segundo ano do ensino médio, deixam de ter aulas das disciplinas básicas e passam para os itinerários formativos, muitos dos quais possuem conteúdo científico questionável e sem um desenho curricular ou pedagógico claro. Isso acaba afetando a preparação dos estudantes para vestibulares e o Enem”, destaca Cássio.

Fernando Cássio, que também é professor, afirma que o Projeto de Lei 5230/23 surgiu da pressão exercida por estudantes, professores, pesquisadores, movimentos sociais, sindicatos e a sociedade em geral em prol do direito à educação. “O PL 5230 não é um presente do governo. Na verdade, o governo Lula foi praticamente obrigado a apresentá-lo devido à intensa pressão popular, algo que começou ainda durante a campanha eleitoral de 2022”, explica.

Segundo o professor, há uma avaliação generalizada de que o novo ensino médio falhou em diversos aspectos, deixando de  cumprir suas promessas e ampliando a desigualdade educacional no País. O Projeto de Lei 5230/23 visa a resolver alguns dos problemas introduzidos pela reforma de 2017. Ele ressalta que 88% dos estudantes do ensino médio no Brasil estudam em escolas públicas, sendo diretamente impactados pelas decisões do Ministério da Educação e do Congresso.

Na avaliação de Fernando Cássio, a situação atual é bastante precária. “De fato, temos uma situação que exige um compromisso do governo de defender a pauta do ensino médio e colocá-la no centro do debate. O governo parece não ter percebido a importância dessa questão. Os movimentos sociais precisam se unir e se organizar. Sem mobilização, o Projeto de Lei atual pode ser aprovado, resultando em uma reforma do ensino médio pior do que a existente. Isso nos obrigaria a retomar essa discussão em um ou dois anos, enfrentando o impacto sobre mais uma geração que foi privada do acesso ao conhecimento em escolas públicas”, conclui o professor.

*Sob supervisão de Cinderela Caldeira e Paulo Capuzzo


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