Vamos falar do córrego do Ipiranga, o riacho do Ipiranga, aquele das margens plácidas, onde foi declarado, teoricamente, o nosso grito de Independência. Aquilo aparece claramente como uma imagem romanceada do nosso processo de Independência, mas também me parece que falar sobre esse rio é falar também um pouco sobre a natureza da Nação que construímos, pensando no que é o ocaso desse rio. Vamos entender que rio é esse, que córrego é esse?
Ele nasce no Parque Estadual Fontes do Ipiranga, onde tem o Parque do Estado, o Jardim Botânico, o Parque Cientec, da USP, e outros equipamentos, é uma área bastante preservada de Mata Atlântica. Era uma área privada que foi desapropriada no fim do século 19 e era uma fonte de abastecimento de água da cidade que só foi desativada nos anos 30. Até hoje essa nascente ainda é preservada e limpa, só que, depois de sair desse parque e dessa mata, o destino desse rio é muito parecido com o destino de 1.500 km de rios e córregos que temos na nossa metrópole: canalização, entubação, poluição, desaparecimento e morte, apesar da sua importância.
O rio foi canalizado em 1942, assim como muitos outros rios, colocaram ele em um tubo, dentro de um canal, o que claramente tem feito com que as enchentes nessa região sejam cada vez piores. O rio é um afluente do Tamanduateí, o próprio remanso do Tamanduateí provoca uma enchente muito grande, porque, exatamente, como ele é canalizado, perdeu completamente os seus meandros, as águas correm com muito mais velocidade e, portanto, com muito mais potencialidade de provocar enchentes.
Além disso, ele foi entupido de lixo e de esgoto, mas a boa notícia é que, para as comemorações da Independência, em 2022, a Sabesp fez um esforço grande de limpar, podendo ligar os seus vizinhos na bacia do Ipiranga à rede de esgoto e fazer com que ele fique mais limpo, porém, isso não impediu de ele estar sendo agora, mais uma vez, objeto da nossa política de macrodrenagem, que é uma espécie de mito de Sísifo, que é a construção de piscinões. No Ipiranga vão ter dois piscinões para tentar reduzir a quantidade de enchentes que, na verdade, assim como a canalização, assim como as demais concepções de transformar rios em canais dobrados, foi absolutamente fracassada do ponto de vista do controle das águas.
Essa é a imagem infelizmente atual da nossa Independência, mas quem sabe, pensando nos anos que virão, podemos repensar o próprio córrego do Ipiranga como um dos rios que vão poder ser renaturalizados, repensados e integrados como rios vivos na nossa cidade.
Cidade para Todos
A coluna Cidade para Todos, com a professora Raquel Rolnik, vai ao ar quinzenalmente quinta-feira às 8h30, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.
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