Além de exame nacional, professor defende maior especialização para candidatos a juiz

Vitor Rhein Schirato não encara a criação do Exame Nacional da Magistratura como uma barreira para o acesso à carreira de juiz e, sim, como uma padronização do nível de conhecimento mínimo que é necessário para exercer o cargo

 25/10/2023 - Publicado há 6 meses
O Brasil possui um sistema de nomeação de juiz muito próprio, em comparação com outros países – Foto: Pixabay
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O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, anunciou a criação do Exame Nacional da Magistratura. Candidatos a juiz deverão realizar o teste, que funciona como um pré-requisito para se inscrever em concursos públicos. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) coordenará as diretrizes da prova, que serão definidas em 30 dias. Segundo o ministro, os tribunais continuam tendo autonomia para organizarem seus concursos. 

Vitor Rhein Schirato, professor do Departamento de Direito de Estado da Faculdade de Direito da USP, aponta possíveis motivos para a criação do exame e explica as deficiências do processo de formação de juízes no Brasil.

Criação do exame 

Schirato não encara a criação do Exame Nacional da Magistratura como uma barreira para o acesso à carreira de juiz, e sim como uma padronização do nível de conhecimento mínimo que é necessário para exercer esse cargo em qualquer lugar do Brasil. “Como cada tribunal tem a sua autonomia para promover os concursos, nós não temos uma homogeneidade no nível de dificuldade e profundidade das provas Brasil afora.” Dessa forma, quando existe uma etapa prévia, organizada em nível nacional, existe uma certa padronização do mínimo que é preciso para ingressar na carreira. 

O Brasil possui um sistema de nomeação de juízes muito próprio, em comparação com outros países. De acordo com o professor, o concurso funciona da seguinte maneira: o candidato realiza três provas, em três fases, e, se for bem-sucedido, é aprovado. Não existe, aqui, um requisito de preparar o juiz para fora daquele ambiente de estudo. “Na França, por exemplo, antes do juiz ser empossado, ele precisa passar pelo menos um ano trabalhando nas mais diferentes áreas da economia, nos mais diferentes tipos de profissão, desde advogado até profissões nada jurídicas. Isso serve para que o juiz consiga ter uma vivência prática do mundo”, explica. 

Para que um indivíduo ingresse como juiz no Brasil, é preciso que ele realize por três anos atividades profissionais após a graduação. Entretanto, segundo Schirato, em alguns casos os candidatos não advogam: se formam, dedicam-se aos estudos e passam no concurso. 

Vitor Rhein Schirato – Foto: FD/USP

Outros problemas 

Além do exame, o especialista defende outras mudanças na magistratura. A primeira medida seria especializar os juízes, que muitas vezes são responsáveis por julgar inúmeros casos referentes em diferentes áreas. Quando o Brasil adotou a ideia de unidade de jurisdição, em 1891, criou-se um Judiciário que obriga o juiz a ter conhecimento de todas as áreas. A única segregação criada, entretanto, foi a Justiça do Trabalho. Esse estabelecimento dificulta a especialização de magistrados, defendida pelo professor. “Não dá para imaginar que o mesmo juiz possa julgar direito de família, possa julgar um divórcio, uma ação de guarda de criança e uma ação tributária, um mandado de segurança, uma licitação. Ninguém tem um conhecimento tão amplo.” 

Para Schirato, seria importante inspirar-se em modelos jurídicos com especializações claras, como os implantados na Alemanha, Suíça e Áustria, por exemplo. Esse exemplo é importante, porque garante que o juiz que vai receber os casos conheça bem o que ele julgará. “Aqui o juiz fica migrando de vara para vara, numa progressão de carreira, e ele vai julgando tudo que aparece.” Conforme o magistrado progride na carreira, ele “muda de especialização”, porque começa a julgar casos mais diversos.  

Além disso, outra medida proposta pelo especialista seria insistir que os juízes que ingressam na magistratura tenham uma visão de mundo mais ampla. “Muitas vezes, o que acontece é que o indivíduo se forma, fica cinco anos estudando e passa no concurso. E aí, a visão de mundo dele é de um livro que, muitas vezes, inclusive, está totalmente ultrapassado”, aponta. 

De acordo com o professor, existe um problema grave e transversal ao Direito, que é a transformação da doutrina em manual para concursos públicos. “Grandes tratadistas do passado estão perdendo espaço e transformando a doutrina cada dia mais em alguma coisa superficial, estritamente objetiva voltada para concurso, que é para dar o minimum minimorum para o candidato responder às perguntas.” Dessa forma, além de empobrecer a teoria – já que um aprofundamento nos conteúdos não é necessário para os concursos –, há um monopólio da informação e conhecimentos veiculados, principalmente no mercado editorial, que se preocupa apenas com temas que são cobrados nos concursos.


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