Universo das Emissoras Públicas: em nova fase, TV Brasil pretende oferecer programação plural para promover a cidadania

“Nós temos que seguir o caminho da pluralidade de debate. Claro, sempre tendo em vista a defesa dos valores democráticos. Nós não podemos dar guarida àqueles que querem destruir a democracia”, afirmou o diretor-presidente da EBC

 28/08/2023 - Publicado há 8 meses
Universo das Emissoras Públicas - USP
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Universo das Emissoras Públicas: em nova fase, TV Brasil pretende oferecer programação plural para promover a cidadania
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O entrevistado desta edição é o diretor-presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Hélio Doyle, que assumiu o comando da empresa em fevereiro. Doyle revogou recentemente uma portaria interna de uma gestão anterior e separou a programação das emissoras de televisão de perfil público (TV Brasil) e de perfil estatal (Canal Gov).

A Constituição Federal estabelece o princípio da complementaridade para o serviço de radiodifusão entre os sistemas privado, público e estatal. Doyle disse que a “EBC trabalha com o sistema estatal e com o sistema público, mas tem que trabalhar de maneira diferente com esses dois sistemas e não misturar como se fossem a mesma coisa”.

Na nova estrutura da EBC, o Canal Gov e a Agência Gov ficam responsáveis pela comunicação governamental. A TV Brasil e a Agência Brasil fazem o papel da comunicação pública.

Doyle afirmou que a comunicação pública ainda é um tema pouco discutido no Brasil. “É um conceito muito novo que precisa ser mais bem compreendido e mais bem entendido. E é natural que algumas pessoas não tenham clareza do que seja o público e não saibam muitas vezes distinguir o público do estatal”, disse o diretor-presidente.

A EBC é uma empresa vinculada ao governo federal detentora da Rádio Nacional, dos portais de notícias Agência Brasil e Agência Gov, da Rádio MEC e das emissoras de televisão Canal Gov e TV Brasil. A empresa também produz e transmite o programa de rádio de veiculação obrigatória A Voz do Brasil, herança da Era Vargas.

A estatal foi criada por uma Medida Provisória durante o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2007. A MP foi aprovada no Congresso Nacional no ano seguinte. A EBC incorporou duas antigas empresas de radiodifusão ligadas ao poder público: a Empresa Brasileira de Comunicação (Radiobrás) e a Associação Educativa Roquette-Pinto (Acerp).

A lei de criação da EBC previu a constituição de um Conselho Curador composto por 22 representantes da sociedade civil com atribuições consultivas e deliberativas. Apesar de os integrantes serem indicados pelo presidente da República, a medida foi considerada um avanço para o sistema público naquela altura.

O Conselho, no entanto, foi extinto por outra MP assinada pelo então presidente interino Michel Temer depois do impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016. Nos anos seguintes, a EBC foi ameaçada de extinção e de privatização. Funcionários concursados relataram casos de assédio moral e censura. Pesquisadores apontaram um aparelhamento governamental na EBC.

O diretor-presidente da EBC contou que a proposta da TV Brasil nessa nova etapa é oferecer uma programação que reflita a natureza da comunicação pública da emissora. “Nós vamos ter programas de debate, programas de entrevista sem partidarismo e sem uma visão unilateral da sociedade”, afirmou. Doyle completou ainda que pretende ter na emissora pública programas de música, teatro, arte, cinema, bons filmes brasileiros e um horário de dramaturgia que contribua para uma formação cultural e cidadã.

O diretor-presidente afirmou também que a proposta é garantir independência editorial para o jornalismo da TV Brasil. “Nós temos que seguir o caminho da pluralidade de debate. Claro, sempre tendo em vista a defesa dos valores democráticos. Nós não podemos dar guarida àqueles que querem destruir a democracia e que defendem o racismo, que defendem a xenofobia, a misoginia, que atacam as mulheres, atacam os povos originários. Esses nós não vamos dar guarida em uma emissora pública. Mas eu acho que nem mesmo as emissoras privadas deveriam dar”, argumentou.

Na entrevista, Doyle fala ainda sobre os planos para recriar o Conselho Curador, extinto em 2016. O retorno do Conselho exigiria uma Medida Provisória ou a aprovação de um projeto de lei no Congresso Nacional. Enquanto a legislação não é modificada, a EBC estuda instituir um Comitê Editorial para que a sociedade civil possa participar das decisões da TV Brasil.

O diretor-presidente comentou também sobre o vínculo que a EBC mantém com a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Pesquisadores da comunicação pública acreditam que o vínculo prejudica a independência da emissora pública. Doyle também abordou a questão da necessidade de fontes de financiamento para o serviço público de radiodifusão no país.

No site da EBC, há informações sobre como sintonizar a TV Brasil e o Canal Gov.

Sugestão de leitura complementar sobre o tema:

Como anda a comunicação pública?“, de Pierre Zémor. Revista do Serviço Público (RSP), Brasília: Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), v. 60, n. 2, p. 189-195, 2009. Disponível para leitura gratuitamente.

Serviço público de radiodifusão: um estudo de direito comparado“, de Toby Mendel. Publicação da Unesco, 2011. Disponível gratuitamente para download.

A EBC à mercê do governo – qualquer governo“, de Eugênio Bucci e Camilo Vannuchi. Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação da Câmara Dos Deputados, 14(36), 211–226.

O sistema de radiodifusão nos 100 primeiros dias do governo Bolsonaro“, Marcio de Souza Castilho. Revista Compolítica, 2020, vol. 10(1). p. 97.


Universo das Emissoras Públicas

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