Pílula Farmacêutica #43: Substâncias extraídas da maconha podem amenizar sintomas da esclerose múltipla

Fórmula que associa CBD e THC está em consulta pública da Conitec, mas falta de mais informações científicas impede seu uso, já negado em avaliação preliminar do órgão

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 21/09/2020 - Publicado há 3 anos
Pílula Farmacêutica - USP
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Pílula Farmacêutica #43: Substâncias extraídas da maconha podem amenizar sintomas da esclerose múltipla
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Com algumas informações positivas, quanto ao tratamento da esclerose múltipla, a associação do canabidiol (CBD) e do tetra-hidrocanabinol (THC) – substâncias extraídas da Cannabis sativa, mais popularmente conhecida como maconha – está com consulta pública aberta pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) desde a semana passada.

Nesta edição do Pílula Farmacêutica, a acadêmica Giovanna Bingre, orientanda da professora Regina Andrade, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, diz que questões legais de cultivo e comercialização da planta e seus derivados e a escassez de pesquisas sobre os efeitos terapêuticos da Cannabis impedem que terapias com os canabinoides sejam liberadas para utilização clínica.

Sobre as duas substâncias, agora em consulta pública, Giovanna explica que o CBD não tem efeito psicoativo e, segundo alguns estudos, poderia ser usado no tratamento de “câncer, diabete, isquemia e contra epilepsia”. Conta que a agência norte-americana Food and Drug Administration (FDA) até já aprovou o uso do CBD para tratar uma forma grave de epilepsia infantil nos Estados Unidos, tendo como base estudos que mostram o CBD como “eficaz na redução de crises epilépticas em 83% dos casos, alterando a excitação e a transmissão nos receptores neurais”. O mesmo fez o Brasil em 2015, quando a Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária – autorizou o uso da mesma terapia, desde que com receita controlada e cultivo da planta realizado fora do território nacional.

Quanto ao THC, Giovanna diz tratar-se de substância psicoativa, com efeito sobre o sistema nervoso central, mas de uso terapêutico confirmado por algumas pesquisas no “aumento do apetite, diminuição de náuseas, dor, inflamação e do descontrole muscular”. Essas propriedades, acreditam os pesquisadores, fazem da droga possível aliada para as pessoas que passam por tratamento quimioterápico ou radioterápico contra o câncer, por exemplo.

A associação dos dois princípios ativos (CBD + THC), segundo Giovanna, possui efeitos desejáveis sobre o sistema nervoso central de pacientes com esclerose múltipla, “diminuindo a liberação de citocinas inflamatórias, a morte celular, reduzindo rigidez muscular e da dor nos nervos”.

A doença ainda não tem cura e seus sintomas – dor e desconforto intensos – marcam a vida de cerca de 35 mil brasileiros, a maioria mulheres entre 20 e 40 anos. É por isso que a “comunidade de pacientes com a doença e sua rede de apoio buscam maior atenção da associação do canabidiol com o THC, justamente para o alívio do sofrimento desse sintoma e para evitar sequelas mais graves”, informa a acadêmica da USP, adiantando que um dos principais sintomas da esclerose inclui contração involuntária dos músculos, que pode causar deformidades graves nos doentes.

Apesar da popularidade da planta Cannabis, estudos sobre seus compostos ainda são escassos em todo o mundo. Giovanna cita o Conselho Federal de Medicina, informando que, entre os anos 1970 e 1990, “praticamente nenhum estudo sobre o canabidiol foi publicado”.

A Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, por exemplo, é uma das pioneiras nas pesquisas com a planta no Brasil. Há poucos anos, esta faculdade “entrou em parceria com uma companhia farmacêutica paranaense para o desenvolvimento do extrato de canabidiol”, conta Giovanna, lembrando que a associação com o THC ainda não é produzida nem legalizada.

Segundo Giovanna, a questão vai além da ilegalidade do cultivo e da burocracia para obtenção de licenças, já que o processo de extração das substâncias ativas, como o CBD e o THC, “é delicado e precisa ser feito corretamente para se ter certeza da separação das demais substâncias psicoativas”. São mais de 3 mil substâncias diferentes, informa a acadêmica, o que implica mais dificuldades para os cientistas, mas também se traduz em problemas de saúde para quem fuma o “prensado” da planta.

Giovanna lembra que o fumo “não tem a terapêutica do extrato refinado de suas duas substâncias mais famosas e traz consequências maléficas para o usuário, como dependência, alteração do funcionamento dos neurônios, problemas respiratórios e aumenta a chance do desenvolvimento de transtornos como a esquizofrenia, assim como pode intensificar crises de ansiedade e depressão”.

Quanto ao relatório em consulta pela Conitec, o produto não obteve recomendação preliminar favorável da comissão avaliadora do órgão, que “considerou que o medicamento só apresentou benefício quando avaliado por escala subjetiva e a ausência de eficácia do fitofármaco na redução da espasticidade por escala objetiva comparado ao placebo’’.

Ouça este episódio do Pílula Farmacêutica na íntegra no player acima.

 


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