Guia americano sobre pedagogia do hip hop têm contribuição de pesquisadoras da USP

Publicação da editora americana Bloomsbury Publisher conta com a contribuição de duas pesquisadoras da Faculdade de Educação da USP; livro celebra os 50 anos do movimento

 Publicado: 28/03/2024     Atualizado: 01/04/2024 as 8:36

Texto: Guilherme Ribeiro

Em 2023, o hip hop comemorou 50 anos e se tornou patrimônio imaterial do Estado de São Paulo – Foto: Freepik

No ano de 2023, o hip hop comemorou 50 anos de uma história que surgiu nos subúrbios de Nova York, no início da década de 1970. Representado historicamente por grupos sociais marginalizados, o movimento não se limita apenas ao gênero musical do rap, mas engloba uma manifestação cultural e um estilo de vida, incluindo a dança e a arte de rua.

Em celebração à data, a editora estadunidense Bloomsbury Publisher produziu o livro The Bloomsbury Handbook of Hip Hop Pedagogy (O Manual da Bloomsbury de Pedagogia do Hip Hop), lançado em fevereiro deste ano. Trata-se de uma coletânea de teorias, histórias, pesquisas e práticas voltadas ao hip hop, totalizando 20 capítulos escritos por ativistas e estudiosos do tema.

Convocado pela editora para escrever um dos capítulos, Derek Pardue, professor de Estudos Globais com foco em Brasil e América Latina na Universidade de Aarhus (Dinamarca), antropólogo e escritor americano, convidou duas pesquisadoras da Faculdade de Educação (FE) da USP para se unirem a ele. 

Juntos escreveram o capítulo Hip Hop as “Artivism” in the Anti-Black City of São Paulo, Brazil (Hip Hop como “artivismo” na cidade antinegros de São Paulo).

Capa do livro publicado em inglês pela editora Bloomsbury Publisher - Imagem: Divulgação

“A ideia é evidenciar uma educação política e emancipatória, portanto antirracista, que dialogue com a juventude negra e periférica. Assim, pensando o hip hop como metodologia dentro do currículo docente”, é o que diz Cristiane Correia Dias, mestre em Educação pela FE e doutoranda em Humanidades pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Cristiane, que além de pesquisadora é dançarina de breaking, foi uma das convidadas de Derek para coescrever o capítulo.

Djenane Vieira dos Santos, mestre e graduada em Música pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e atualmente doutoranda em Educação pela FE, completa o trio de autores do capítulo sobre artivismo da coletânea. “Eu sou de Salvador, e fui conhecer e me aproximar do hip hop só quando me mudei para São Paulo, em 2004. Hoje eu faço parte e coordeno projetos dentro da educação relacionados ao hip hop, e fiquei muito feliz de ter participado da construção do livro”, conta a pesquisadora.

O neologismo “artivismo”, da aglutinação das palavras arte e ativismo, representa a participação de artistas nas discussões sociopolíticas da sociedade. O artivismo pode ser realizado por um ou mais artistas, protestando e problematizando temas da sociedade através de suas expressões artísticas, como música, dança, arte de rua, pintura, etc.

Pedagogia do hip hop

O livro é a primeira obra a contemplar a teoria, história, pesquisa e prática de uma “Pedagogia do Hip Hop”. Conceito que tem sido discutido dentro da comunidade acadêmica e artística do movimento e que, de acordo com um artigo da Universidade de Columbia, significa a incorporação dos elementos criativos do hip hop, como música, dança e grafite, dentro da educação e pedagogia.

O “manual” que acaba de ser lançado oferece à comunidade percepções teóricas, práticas e analíticas provenientes da sociologia e literatura, sobre os impactos da pedagogia do Hip Hop para educadores e estudantes interessados em abordagens diferentes da educação.

Derek Pardue, nascido e criado nos EUA, conta que acompanhou o início e o crescimento do movimento Hip Hop no País, momento em que se identificou com o gênero.

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Em entrevista ao Jornal da USP, o escritor comenta sobre a contribuição para o livro que pôde oferecer em conjunto com as pesquisadoras da USP.

“Eu começo a estudar e escrever sobre hip hop nos anos 1990 nos Estados Unidos e continuo neste rumo quando chego ao Brasil em 1995. Quanto a Cris e a Nany, elas já tinham experiência e material de pesquisa que seguiam essa mesma temática, e já focados na Educação. Então decidimos que eu faria uma introdução e atuaria como um ‘editor’ organizando os dados que elas trouxeram, para trazer o conteúdo acadêmico de suas pesquisas mantendo o tom da obra”, diz.

“A Lauren Kelly e o Daren Graves (editores do livro) me convidaram, e achei que, além de interessante, seria importante para a produção da obra convidarmos pesquisadoras brasileiras, e principalmente mulheres. Não apenas por motivos de inclusão, mas para aprimorar a sabedoria que temos sobre hip hop em termos de gênero.”, afirma o escritor sobre o convite às educadoras.

Artivistas e coautores

Derek Pardue ​

Doutor em Antropologia, Pardue diz que o hip hop o ajudou com sua autoestima e autoconfiança, pois além de se identificar com a estética foi com o surgimento do movimento que o escritor passou a se sentir à vontade para compartilhar suas visões. Poucos anos depois, na década de 1990, Pardue começou a estudar e analisar o movimento cultural de maneira crítica, tornando-se especialista na área e reconhecido mundialmente. O pesquisador é mestre em Etnomusicologia pela Universidade do Texas.

O manual da Bloomsbury é mais um livro a entrar na coleção de obras do hip hop de Pardue, responsável também por publicações como Ideologies of Marginality in Brazilian Hip Hop; Brazilian Hip Hoppers Speak from the Margins: We’s on Tape e Cape Verde, Let’s Go: Creole Rappers and Citizenship in Portugal além da versão em inglês de Sobrevivendo no Inferno do Racionais MC’s.

Cristiane Correia Dias

Mestre em Educação pela FE e doutoranda em Humanidades pela FFLCH, Cristiane é artivistaeducadora e pesquisadora do movimento hip hop e dançarina de breaking. Além de sua contribuição com o livro da Bloomsbury, Cristiane publicou também a obra A Pedagogia Hip-Hop: consciência, resistência e saberes em luta, além de sua dissertação do mestrado em Educação, Por uma pedagogia Hip-Hop: o uso da linguagem do corpo e do movimento para a construção da identidade negra e periférica

Cristiane, que atende também por B-Girl Cris, é ainda diretora técnica de projetos da Federação Paulista e da Confederação Brasileira de breaking, além de mentora dos grupos de dança Guetto Crew e Coletivo WoltsFora da dança, Cristiane foi também produtora do Projeto Quadro Negro do coletivo de arte de rua Grupo OPNI, que focou em marcos e histórias em que o negro é protagonista.

Djenane Vieira dos Santos

Doutoranda em Educação pela FE, Djenane é mestre e graduada em música pela UFBA. O mestrado veio 18 anos após a graduação em música. O motivo foi a influência da música rap, que lhe foi apresentada apenas quando se mudou para São Paulo. Sua dissertação trouxe o movimento como tema, na pesquisa intitulada Uma fita de mil grau: o movimento hip hop na construção de identidades culturais afrodiaspóricas

Nany levou o hip hop para o âmbito da educação, com seu projeto Hip Hop na Escola: RAPensando a sociedaderealizado em Jundiaí com alunos do Ensino Médio de Educação de Jovens e Adultos (EJA). O projeto buscou apresentar a história do hip hop e discutir a construção de identidade cultural de consumidores do gênero, especialmente em jovens periféricos, e analisar desigualdades sociais, sobretudo o racismo. 

Patrimônio cultural imaterial

Entre diversas obras e estudos, a cultura hip hop no Brasil alcançou mais uma conquista para sua história. No dia 7 de março de 2024, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) aprovou a Lei 498/2021 e reconheceu o hip hop como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado.

A proposta de lei foi feita pela deputada estadual Leci Brandão, que além de política é cantora, atriz, compositora e uma das intérpretes mais populares do samba brasileiro. Como parlamentar, Leci dedica-se especialmente à promoção da igualdade racial, ao respeito às tradições de matriz africana e à defesa da cultura popular brasileira. Ainda que tardia, a nomeação para patrimônio não poderia ter sido em outro lugar, visto que São Paulo é tido como o berço do hip hop no Brasil, que chega ao País na segunda metade da década de 1980, nas periferias da capital paulista.

“Foi pela sua relevância que o hip hop é agora Patrimônio Imaterial, e Leci é a madrinha do movimento, sempre nos acolheu e deu espaço às propostas do movimento enquanto sociedade civil”, comenta carinhosamente Cristiane.

“Fiquei muito contente, pois representa toda uma comunidade artística e intelectual ter o hip hop agora como Patrimônio Cultural. Leci capitaneou essa luta representando toda uma comunidade artística preta. É uma vitória não apenas para São Paulo, por ser berço da cultura hip Hhp no País, mas para todo o Brasil”, afirma Djenane.

“Essa ‘carimbada’ de algo oficialmente reconhecido é muito significativo, é importante para a história do hip hop em São Paulo e no Brasil. E também é muito relevante profissionalmente e para a autoestima daqueles que há tanto tempo trabalham com essa cultura”, destaca Pardue.

* Estagiário sob supervisão de Tabita Said