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O sexto número da revista Livro, do Núcleo de Estudos do Livro e da Edição (Nele) da USP, apresenta ao leitor artigos, entrevistas, resenhas e traduções. O destaque da edição é um dossiê que analisa as diversas facetas da relação entre livros, autores, editoras e política.
O professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP Lincoln Secco se debruça sobre a constituição da biblioteca que o intelectual italiano Antonio Gramsci montou enquanto esteve no cárcere. Em “Biblioteca Gramsciana”, Secco passa em revista os títulos que Gramsci consegue para realizar seus estudos, a despeito das dificuldades impostas pelo governo fascista. O texto faz ainda apontamentos sobre a imprensa europeia da época e quais fontes socialistas estavam disponíveis para o intelectual.
Secco estuda também a visão de Gramsci sobre o papel ideológico da indústria editorial. “O que Gramsci quer demonstrar é que a indústria tipográfica, embora tenha um caráter empresarial e uma base técnica como qualquer outra empresa, não se resume a ser um elemento da infraestrutura da sociedade. Ela produz suportes materiais de obras ‘espirituais’, destinadas a garantir e consolidar uma visão de mundo dominante na sociedade, portanto sua história não é só interna, de um ramo empresarial, é também da demanda e da recepção. Mas, como a demanda por livros não é igual à demanda por ferro-gusa ou alimentos, ela só pode ser estudada em conexão com a história intelectual”, aponta Secco.
O dossiê segue com o artigo “Sobre o Concerto da Imprensa Anarquista a Partir de Mikhail Bakhtin”, da professora da Facultad de Ciencias Sociales da Universidad de Buenos Aires Laura Fernández Cordero. A pesquisadora investiga as publicações anarquistas argentinas de 1895 a 1925, analisando-as a partir das teses sobre a linguagem do pensador russo Mikhail Bakhtin.
Segundo Laura, “os postulados bakhtinianos oferecem um guia insuperável para abordar o grande concerto que os anarquistas animam através da imprensa, uma vez que, por suas características próprias, a enunciação anarquista leva ao extremo a condição polifônica do discurso. A princípio porque o ideal libertário estende-se ao emprego da palavra, de sorte que se mostram sempre atentos a qualquer armadilha da autoridade no discurso”.
Compõem também o dossiê textos sobre a imprensa política portuguesa de Salazar até a Revolução dos Cravos, um artigo sobre a autoria da obra de teoria política estadunidense O Federalista e sua influência no Brasil monárquico e um estudo sobre a editora brasileira Zahar Editores e a coleção Biblioteca de Ciências Sociais.
Uma Brasiliana para o leitor do século XXI
A sexta edição da revista Livro conta também com um artigo sobre a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, assinado pela coeditora da revista, Marisa Midori Deacto. Professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, Marisa inicia o trabalho refazendo a trajetória das bibliotecas e coleções brasilianas e analisa as mudanças exigidas pela transferência de uma biblioteca particular para o âmbito institucional da universidade pública.
“As primeiras vivências uspianas já nos permitem avançar um pouco mais em algumas reflexões sobre o sentido da biblioteca na comunidade acadêmica. Talvez as antigas tertúlias na sala de estar e, depois, no conjunto anexo à casa da família Mindlin se aproximem bem da imagem do antigo museu alexandrino, onde o fim de tudo era a sociabilidade criada pela convivência com os livros. Donde a importância de se pensar a arquitetura, a leitura e os programas culturais de forma articulada, pois deve existir uma relação orgânica entre as partes e o todo. E o todo não é apenas uma biblioteca, mas um museu, no sentido original da palavra – do grego mouseîon, templo das musas -, ou um complexo cultural, para usar um termo contemporâneo”, destaca Marisa.
Outro personagem da história editorial brasileira que aparece na publicação é Aluísio Azevedo. A editora e escritora Maria Viana passa em revista sua produção no artigo “Aluísio Azevedo: do folhetim ao livro”. Maria destaca a vontade do autor de viver dos próprios escritos e os meios que encontrou para alcançar seu objetivo, passando pelo folhetim e o uso de pseudônimos. Segundo Maria Viana, “Aluísio Azevedo foi um dos poucos romancistas brasileiros de seu tempo a assumir publicamente que tinha planos de sobreviver exclusivamente do ofício de escritor”.
Complementam a edição 24 gravuras de Maria Bonomi apresentando bibliotecas ao redor do mundo. Segundo o editorial assinado por Marisa Midori Deacto e Plinio Martins Filho, “a gravura de Maria Bonomi contaminou toda a nossa revista. Tal como a tinta que se impregna nos sulcos da madeira e no papel, sua arte atravessa as páginas e nos guia pelos desvãos das bibliotecas”.
A sexta edição da revista Livro pode ser adquirida em livrarias e no site da Ateliê Editorial. O preço sugerido é R$ 80,00.