“Revista do IEB” discute o exclusivismo da Semana de 22

Hoje centenário, o movimento modernista brasileiro, segundo pesquisadores, falhou em representar a arte indígena

 06/10/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 10/10/2022 as 14:51
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Re-Antropofagia (2018), obra de Denilson Baniwa que ilustra a capa da revista – Fotomontagem com imagens de pmvchamara/Freepik e Reprodução/IEB

Dando seguimento às celebrações do centenário da Semana de Arte Moderna e do bicentenário da Independência no Brasil, a edição 82 da Revista do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP reúne artigos, resenhas e documentos que convidam à reflexão crítica sobre as efemérides. Lançada recentemente, a publicação tem caráter multidisciplinar e discute temas da história, literatura, artes e música brasileiras, dentre outros. Ela está disponível gratuitamente, na íntegra, neste link.

Em Histórias e representações do Brasil: responsabilidades, cotejos, confronto, texto de introdução da revista, os editores responsáveis Inês Gouveia, Luciana Suarez Galvão e Walter Garcia colocam em pauta o teor exclusivista intrínseco ao Modernismo brasileiro: 

“Já na capa,  a  imagem  de  Mário  de  Andrade  decapitado  é  ‘uma  espécie  de  vingança  que,  mais  do  que  nos  aniquilar,  nos  responsabiliza’ . […] Longe de imobilizar, a responsabilidade estimula a reflexão, o que se percebe em todas as seções deste número.”

O texto cita um trecho do artigo de Clarissa Diniz para a revista Espaço Ameríndio, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que questiona a invisibilidade indígena em meio à história da arte nacional. Não por coincidência, a ilustração de capa da edição — carregada de simbolismos, como ponderam os editores — é produção de um artista indígena, Denilson Baniwa.

Nascido no Rio Negro, região no interior do Amazonas, Baniwa mescla referências indígenas e símbolos da cultura ocidental em suas produções, processo que define como uma “Re-Antropofagia”. Suas obras, que são “intervenções em uma dinâmica histórica (a história da colonização dos territórios indígenas que hoje conhecemos como Brasil)”, nas palavras do artista, ganham destaque também na seção Criação da revista. 

Nove artigos compõem o dossiê Paralelos 22, que traz ponderações sobre o Brasil através dos séculos. No primeiro, chamado O reverso da outra independência: participação indígena no contexto político da década de 1820 (Cimbres, Pernambuco), a historiadora Mariana Albuquerque Dantas busca compreender as motivações que levaram indígenas a se posicionarem em conflitos da elite no período colonial. Já o artigo Suspensão de garantias no pós-Independência do Brasil: indefinições legais, vigilância parlamentar e vulnerabilidade de direitos, de Vivian Chieregati Costa, mescla análises históricas e jurídicas para investigar o processo de privação das liberdades individuais dos cidadãos do Império brasileiro.

“Os debates, no primeiro modernismo, sobre nacionalismo versus regionalismo, ‘herança europeia’ versus ‘tradição brasileira’ – ou, de modo mais específico, sobre ‘valorização do trabalho’, característica da ‘civilização europeia’, versus valor do ócio, ‘como um elemento propício à criação artística’ no Brasil – são abordados de um ângulo original por Viviane Soares Aguiar (USP), em Mário de Andrade e a construção da cozinha brasileira”, afirmam Gouveia, Galvão e Garcia no editorial. A reflexão sobre o movimento modernista reaparece nos artigos  A máquina de Polímnia, de Raul Antelo, que examina um texto inacabado de Mário de Andrade; O modernismo na perspectiva de Gilda de Mello e Souza, de Annateresa Fabris; e Gilda & Mário: notas temáticas e estilo musical, de Carlos Henrique Fernandes. 

A revista também apresenta dois artigos desvinculados do dossiê: Sexualidade improdutiva e resistência na canção “Geni e o zepelim”, de Chico Buarque, de Nara Lya Cabral Scabin, que analisa o caráter feminista e anticapitalista da personagem Geni; e A infância na universidade pelo Departamento de Estudos da Infância, de Lisandra Ogg Gomes, Aristeo Gonçalves Leite Filho e Rita Marisa Ribes Pereira.

A seção Documentação reúne anotações do processo de produção de um espetáculo no Theatro Municipal de São Paulo. Chamado A Ópera Café de Mário de Andrade: diário do encenador, o texto de Sérgio de Carvalho é uma amostra da atividade cultural no Theatro cem anos após ele sediar a Semana de Arte Moderna de 1922. Por fim, três resenhas literárias retomam a discussão sobre a Semana de 22: Modernismos alternativos, preto no branco, de João Brancato, Devorando o Manifesto Antropófago, de Vinicius Pontes Spricigo e Mayara Santos Carvalho Soares, e Estorvos civilizatórios, de Adelia Bezerra de Meneses.

A Revista do IEB, número 82, está disponível neste link (clique aqui).


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