“Existem partes da cidade mais importantes do que outras?” Esta é uma das perguntas que os membros do Grupo Ururay (lê-se “ururaí”) fazem a quem visita a Casa de Dona Yayá da USP, no centro de São Paulo. Eles são os autores da exposição fotográfica Sesmaria de Passarinhos, que registra bens tombados ou em processo de tombamento na zona leste da cidade de São Paulo.
O grupo é formado por pesquisadores e ativistas que buscam preservar os bens culturais de uma parte da cidade que está bem longe dos cartões-postais.
A exposição de fotos apresenta 13 locais da zona leste considerados patrimônios históricos do município de São Paulo – ou em processo de tombamento. O tombamento garante que esses bens sejam protegidos por uma legislação específica, pelo seu valor histórico, cultural, arquitetônico ou ambiental.
O levantamento foi feito a partir de dados das subprefeituras da Penha, São Miguel, Itaquera e Mooca. Alguns dos locais representados nas fotos são a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e a Escola Estadual Santos Dumont, ambas localizadas na Penha, a Casa Raul Seixas, em Itaquera, e as Ruínas da Casa Sede do Sítio Mirim, na Vila Jacuí.
Mais do que promover esses locais, o Grupo Ururay questiona o porquê de eles serem tão poucos. Lar de aproximadamente 4 milhões de pessoas, a zona leste é a área de São Paulo que menos abriga patrimônios históricos registrados. “Eu mesmo moro em Sapopemba, onde não há nenhum bem cultural reconhecido”, aponta o historiador Mauricio Duarte, integrante do coletivo.
Enquanto aquelas quatro subprefeituras contam 13 imóveis tombados, só a região central abriga cerca de 1/3 dos mil patrimônios protegidos na capital, calcula o arquiteto Gabriel Fernandes, responsável pelo projeto gráfico da mostra. “Isso por si só já evidencia um desequilíbrio”, coloca Fernandes. “Além da questão da quantidade, tem a própria representatividade dos bens: o quanto eles estão de fato ligados às práticas culturais da população que vive ali”, diz.
As fotos apresentadas pelo coletivo em Sesmaria de Passarinhos são uma extensão do trabalho que resultou na elaboração do livro e do documentário homônimos Territórios de Ururay.
Reconhecimento
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O tombamento pode ser aplicado a bens móveis e imóveis, desde que atendam ao interesse coletivo e à preservação da memória. Pensando nisso, o Grupo Ururay aproveita a exposição para colocar em pauta a distribuição desigual dos bens culturais pela cidade de São Paulo.
Mauricio Duarte lembra que a preservação do patrimônio é um modo de fortalecer a comunidade e resgatar sua identidade. “A própria população da zona leste não reconhece a multiplicidade dos bens históricos que existem ali”, diz o historiador.
Essa é a primeira vez em que a região leste vira protagonista de uma exibição na Casa de Dona Yayá, que desde 2004 abriga o Centro de Preservação Cultural (CPC) da USP.
O estigma que existe em volta da “ZL” já conferiu a ela títulos como “dormitório” da cidade de São Paulo — de onde as pessoas sairiam para trabalhar no centro. Hoje, esse é um cenário que vem mudando e passa a incluir a região na rota do turismo social, como mostra o guia produzido pela SPTuris.
Para Gabriel Fernandes, a exposição é uma oportunidade para aumentar o contato da Universidade com grupos que se mobilizam a favor da patrimonialização. “A intenção é fortalecer o contato do CPC com movimentos sociais que estão atuando na cidade”, afirma o arquiteto.
A exposição Sesmaria de Passarinhos fica aberta até o dia 2 de março de 2018 na Casa de Dona Yayá (Rua Major Diogo, 353, Bela Vista, São Paulo). Visitação de segunda a sexta-feira, das 9 às 17 horas. A entrada é gratuita. Mais informações na página do Facebook do CPC.