Ex-aluna da USP, diretora Paula Kim lança “Diário de Viagem”

Longa-metragem aborda os problemas enfrentados por mulheres que sofrem de transtorno alimentar

 25/11/2022 - Publicado há 1 ano
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Cena de Diário de Viagem, dirigido por Paula Kim – Foto: Reprodução

No dia 17 passado, a ex-aluna da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP Paula Un Mi Kim fez a estreia no circuito nacional de cinema do seu primeiro longa-metragem, Diário de Viagem. O filme foi exibido em 2021 na 23ª edição do Festival do Rio, uma das mais tradicionais mostras de cinema do Brasil. 

Diário de Viagem narra uma história que se passa em 1995. Liz, a personagem principal, faz um intercâmbio acadêmico para a Irlanda. A viagem se torna um fracasso, o que contribui para que ela desenvolva um transtorno alimentar. A atriz Manoela Aliperti, que protagoniza o filme, é reconhecida pelo seu papel como Lica na série Malhação: Viva a Diferença (2017-2018) e sua derivada, As Five, que teve início em 2020 e continua em cartaz. 

 A cineasta Paula Kim, diretora e roteirista de “Diário de Viagem” – Foto: Reprodução/Twitter

Além de Manoela, o elenco inclui Virginia Cavendish, atriz de O Auto da Compadecida (2000), que vive Regina, mãe de Liz, e Eucir de Souza, formado pela Escola de Artes Dramáticas da USP, que vive o papel de Marcos, pai de Liz. “Na maior parte das vezes, nós vemos Regina e Marcos sob a perspectiva da Liz, naquele momento da vida em que os filhos se dão conta de que seus pais são pessoas imperfeitas e que em muitos aspectos não se identificam com eles”, explica Paula.

Liz é solitária durante e depois do intercâmbio na Irlanda, mas há alguns personagens que participam de sua vida, como Lucas, interpretado por Daniel Botelho, e João, vivido por Pedro Ogata. O filme também conta com a participação de André Ramiro e Clarisse Abujamra, atuando, respectivamente, como Dr. Rafael e Dra. Ruth, médicos de Liz.

A história da protagonista se confunde com a da própria autora, que também vivenciou transtorno alimentar na juventude. Fazer o longa-metragem – ideia surgida há 12 anos – foi a forma que a cineasta encontrou para expressar essa experiência. “Foi como um ato de sobrevivência”, conta Paula. 

“Quando você propõe um projeto, você precisa justificar por que você é a pessoa ideal para executá-lo. No meu caso, eu vivi um transtorno alimentar na pré-adolescência, me recuperei, estudei e comecei a trabalhar com audiovisual. Consigo contar o sentimento de uma personagem que vive o mesmo transtorno”, afirma Paula.

Transtornos alimentares são mais comuns em mulheres. Casos como bulimia e anorexia estão associados à distorção da imagem cultivada pela sociedade, que impõe como padrão de beleza uma magreza inalcançável. “É uma doença que tem muitas causas sociais e, por ter essas causas, se manifesta majoritariamente em meninas jovens”, lembra Paula.

O que Liz vive no filme é anorexia nervosa. Essa patologia consiste numa preocupação excessiva com o peso. A pessoa entra em jejum ou realiza exercícios de forma exagerada, podendo provocar problemas psicológicos. “Eu queria contar uma história real para meninas, a realidade dessa doença que afeta os afazeres mais simples da rotina de uma pessoa e como ela surge”, acrescenta Paula.

A cineasta utiliza o distúrbio para narrar os acontecimentos e trazer a evolução da personagem. “É um filme de amadurecimento, que acaba contemplando questões que, hoje, muitas meninas e mulheres experimentam”, esclarece. Paula lembra que a situação pode ser vivenciada por homens, mas “o homem branco heteronormativo dificilmente vai vivenciar em sua vida a opressão que uma mulher experimenta”. Para a cineasta, isso se deve ao sistema patriarcal e ao machismo ainda presentes na sociedade atual.

“O transtorno alimentar que eu vivi resumiu muito dos meus conflitos como menina/mulher amarela no mundo racista, preconceituoso, machista e opressor em que eu cresci. E não se trata do meio familiar, mas da sociedade brasileira, latina e ocidental”, enfatiza Paula.

 A carreira

Paula Kim se formou na segunda turma de Audiovisual da ECA, em 2005. No ano seguinte ela se mudou para a Coreia do Sul. Em 2007, ingressou no curso de pós-graduação em Direção e Roteiro da Universidade Nacional de Artes da Coreia. Após sua formação, recebeu uma proposta de trabalho num momento em que o país asiático estimulava as produções audiovisuais de k-drama e novelas. Na ocasião, ela precisava fazer uma escolha entre seu país natal e o país de seus ancestrais. “Foi uma decisão difícil, mas eu sabia que a minha forma de pensar era ocidental e principalmente latina, por isso resolvi retornar ao Brasil.”

 Cartaz de divulgação do filme – Foto: Reprodução

Ao desembarcar no Brasil, em 2009, o mercado audiovisual não valorizou o investimento educacional e profissional que Paula fez. “O primeiro trabalho que me ofereceram, após meses enviando meu portfólio de curtas e meu currículo para empresas, foi um estágio em produtora de cinema”, lembra Paula.

A cineasta relata ainda que a relação de trabalho nesse ramo era “complicada”. Em alguns projetos os roteiristas não queriam creditá-la e, em outros, não queriam pagar pelo serviço feito. “Eu gostava muito, porque estava trabalhando com cinema, mas era muito desgastante”, relata. Foi em 2010 que ela decidiu abrir a própria produtora e “começar, na raça, a aprender a produzir um filme independente no Brasil”. Naquele mesmo ano, o Cinéfondation – fundação de apoio criada pelo Festival de Cinema de Cannes, na França – convidou Paula para participar do processo seletivo de residência em Paris. “Eu não passei na fase final, mas essa experiência me fez acreditar que eu devia investir e acreditar nos meus projetos.”


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