Concerto vai trazer o encanto do som das mulheres

Nesta quarta-feira, dia 29, no Centro MariAntonia da USP, um repertório só com obras de compositoras — que viveram do século 12 ao 21 — será apresentado na voz de Marília Vargas, na harpa de Liuba Klevtsova e na reflexão de Camila Fresca

 27/11/2023 - Publicado há 5 meses

Texto: Leila Kiyomura
Arte: Carolina Borin*

A musicóloga Camila Fresca, a cantora Marília Vargas e a harpista Liuba Klevtsova apresentarão concerto do repertório de obras da monja Hildegard von Bingen, do século 12, de compositoras francesas do século 19 e da brasileira Chiquinha Gonzaga, entre outras artistas - Fotomontagem: Jornal da USP - Imagens: Marcos Santos/USP Imagens e Cleber Correa/Divulgação

A musicóloga Camila Fresca, a cantora Marília Vargas e a harpista Liuba Klevtsova apresentarão concerto que tem no repertório obras da monja Hildegard von Bingen, do século 12, de compositoras francesas do século 19 e da brasileira Chiquinha Gonzaga, entre outras artistas - Fotomontagem: Jornal da USP - Imagens: Marcos Santos/USP Imagens e Cleber Correa/Divulgação

Só de mulheres, só por mulheres, sol de mulheres… É assim que a voz de Marília Vargas, a harpa de Liuba Klevtsova e a reflexão de Camila Fresca se harmonizam para apresentar o concerto Mulheres na Música. Uma oportunidade para todas e todos apreciarem, gratuitamente, o repertório composto só por mulheres nesta quarta-feira, dia 29, às 17 horas, no Centro MariAntonia da USP.

O público acompanhará o talento, sensibilidade e a coragem de mil anos das mulheres na música. Um tempo que flui com a soprano Marília ao interpretar, sob o dedilhar de Liuba Klevtsova, a composição da monja beneditina Hildegard von Bingen (1098-1179), que atuou no século 12, na Alemanha. “Uma mulher que era pintora, dramaturga, médica e compositora e deixou 77 canções litúrgicas. Sua obra é um dos únicos registros da atividade musical feminina durante a Idade Média. Foi canonizada como santa pela Igreja Católica”, conta Marília.

O repertório inclui compositoras de diversos países e períodos, como a italiana Francesca Caccini, do período Barroco; a alemã Fanny Mendelssohn; as irmãs francesas de ascendência espanhola Maria Malibran e Pauline Viardot Garcia, do século 19; e a belga Eva dell’Acqua, do início do século 20, entre outras. O concerto chega ao Brasil com a composição Lua Branca, da carioca Chiquinha Gonzaga, uma das mulheres pioneiras na música no Brasil do século 19. Segue, no século 21, com Juliana Ripke, uma jovem pianista, doutoranda em Musicologia pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Uma música composta com Marília Vargas, Canção com Palavras nº 1: Caixinha de Afetos, é outro destaque do concerto.

Marília Vargas - Foto: Cleber Correa/Divulgação

A cantora Marília Vargas - Foto: Cleber Correa/Divulgação

As mulheres, mesmo diante de tantos obstáculos e impedimentos, foram longe demais na arte da composição. É esse legado que o projeto busca divulgar."

Todas as peças apresentadas por Marília Vargas e Liuba Klevtsova são comentadas e contextualizadas por Camila Fresca, jornalista, mestre e doutora em Musicologia pela ECA, com pós-doutorado pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP.  “Eu procuro refletir sobre a atuação das mulheres na contemporaneidade. A abordagem, a partir desta seleção, é sobre a vida e trajetória das compositoras, apontando os pontos em comum que existem entre elas, mesmo em períodos diferentes”, explica. “Esses pontos acontecem por conta de uma estrutura social que sempre limitou as mulheres em algumas caixas e padrões. Uma estrutura que não deixava que elas fossem além de até certo ponto. A profissionalização  para elas era muito difícil. Podiam fazer música em casa, podiam escrever para pequenas formações, mas não tinham acesso a orquestras e apresentações em igrejas. Não podiam ser mestres de capela ou chefes de música, funções que cabiam aos homens.”

Quando conta a história dos mil anos da luta das mulheres na arte da música, Camila observa o público sempre atento e questionador. “Aponto que todas as limitações na música feita por mulheres têm um fundo social, estrutural. As mulheres, mesmo diante de tantos obstáculos e impedimentos, foram longe demais na arte da composição. É esse legado que o projeto Mulheres na Música busca divulgar.”

A partir das décadas de 1970, 80 e 90, várias pesquisas passaram a ser realizadas e as partituras das compositoras que tinham ficado no ostracismo começaram a ser recuperadas.”

Camila lembra que registros de mulheres compositoras só começaram a surgir mais efetivamente a partir do século 19, no Romantismo. “Muitas das artistas foram esquecidas após sua morte, embora tivessem produzido e até publicado obras”, explica. “Mas a partir das décadas de 1970, 80 e 90 várias pesquisas passaram a ser realizadas e as partituras das compositoras que tinham ficado no ostracismo começaram a ser recuperadas.”

Marília, Liuba e Camila também têm histórias de luta para contar. A soprano nasceu em Ponta Grossa (PR) e tinha 5 anos quando começou a estudar violino. “Mas logo descobri o meu gosto pelo canto”, recorda. “E a primeira peça que a professora me passou para apresentar foi de uma compositora baiana chamada Babi de Oliveira (1908-1993). A primeira maestra que regeu minha primeira apresentação foi outra mulher, Hildegard Soboll Martin, e o meu primeiro CD traz as composições de Hildegard von Bingen. Fui percebendo que as referências femininas sempre foram muito fortes na minha trajetória. Assim, nasceu o projeto Mulheres na Música, um tema que me acompanha desde sempre, contando, agora, com a sensibilidade, o idealismo e o talento de Liuba Klevtsova e Camila Fresca.”

Camila Frésca - Foto: Arquivo Pessoal

A musicóloga Camila Fresca - Foto: Arquivo pessoal

Marília vem se destacando como uma das mais ativas e respeitadas cantoras de sua geração. Divide seu tempo entre concertos, master classes e festivais de música, que a levam regularmente a países da América Latina, Europa e Ásia. Foi premiada nos concursos Bidu Sayão, Maria Callas, Friedl Wald Stiftung e Margherite Meyer.

Liuba também começou a estudar música com 5 anos. “Uma vida inteira nas trilhas da música”, conta. “Nasci em 1976, em Moscou, no auge do desenvolvimento da cultura musical. Todas as crianças participavam, além das escolas de educação básica, de alguma escola de arte, dança, esporte. No meu caso, já fui envolvida pela música, pelas artes. Tive aulas particulares e acesso livre para me envolver no mundo artístico. Meus pais, embora não fossem profissionais da área, eram amantes de música. Assistíamos juntos aos espetáculos de música clássica, corais. Meu sonho era ser solista como a Marília, mas me apaixonei pela harpa. Eu me formei no Conservatório de Moscou. Mas vim para o Brasil em uma turnê, em 1994, e gostei do País. Não conhecia as orquestras brasileiras. Mas, quando escutei a Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), eu me identifiquei.”

Liuba Klevtsova - Foto: Cleber Correa/Divulgação

A harpista Liuba Klevtsova - Foto: Cleber Correa/Divulgação

Desde 2000, Liuba está no Brasil. Passou a integrar a Osesp e atua como solista nas principais orquestras do País. Leciona no Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão e na Academia da Osesp. “Eu gosto muito de dar aula e incentivar a formação dos jovens brasileiros que surpreendem pelo talento e sensibilidade.”

Desde o início deste ano, o projeto Mulheres na Música tem percorrido os centros culturais da capital e do interior de São Paulo, com apoio do Programa de Ação Cultural do Governo do Estado de São Paulo (Proac).

O concerto Mulheres na Música, com a soprano Marília Vargas, a harpista Liuba Klevtsova e a musicóloga Camila Fresca, será nesta quarta-feira, dia 29, às 17 horas, no Centro MariAntonia da USP (Rua Maria Antônia, 294, Vila Buarque, em São Paulo, próximo às estações Santa Cecília e Higienópolis-Mackenzie). Entrada grátis (retirada de senhas 1 hora antes do espetáculo).

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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