Colóquio vai mostrar a atualidade da obra de Gilda de Mello e Souza

Evento acontece nos dias 27 e 28 de junho no Centro de Pesquisa de Formação do Sesc, em São Paulo

 23/06/2023 - Publicado há 10 meses
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Gilda de Mello e Souza na década de 1930 - Foto: Ernesto Correia/Arquivo IEB-USP

Ensaísta, crítica de arte, tradutora e chefe do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, da qual se tornou Professora Emérita em 1999: as habilidades multidisciplinares e o pioneirismo de Gilda de Mello e Souza (1919-2005) renderam obras cuja relevância se estende até hoje.

Esse é justamente o fio condutor do Colóquio Gilda de Mello e Souza, a ser realizado nos dias 27 e 28 de junho pelo Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc, em São Paulo. O evento contará com a participação de pesquisadores, professores, ex-alunos e demais interessados que, em seis mesas-redondas, vão discutir os temas  abordados pela professora em seus trabalhos. “Este é o exercício que tentaremos fazer coletivamente ao longo do colóquio: refletir sobre as possíveis relações da obra de Gilda com o tempo presente”, conta a organizadora do evento, Laura Escorel, doutoranda pelo programa de Pós-Graduação em Estética e História da Arte da USP e neta de Gilda de Mello e Souza.

Laura trabalhou com os arquivos da professora durante seis anos. Entre 2018 e 2020, ela foi a responsável pela coordenação da doação e organização dos arquivos de Gilda e de seu marido, o crítico literário, sociólogo e professor da USP Antonio Candido (1918-2017), ao Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP.

Laura explica que o colóquio busca divulgar e estimular o acesso a esses arquivos, que não receberam o devido reconhecimento por causa da pandemia de covid-19, em 2020: “Existe um grande empenho por parte da família da professora e da Editora Ouro sobre Azul, do Rio de Janeiro, no sentido de preservar e divulgar o legado de Gilda. Prova disso são a doação do arquivo de Gilda ao IEB e os livros publicados pela editora”.

Apesar desse empenho, ela ressalta que a obra de Gilda ainda é relativamente pouco analisada por estudiosos nos campos da filosofia, da sociologia e da história da arte. “As instituições culturais, com raras exceções, e os próprios pesquisadores do campo da estética, também com raras e honrosas exceções, parecem ainda não ter incorporado Gilda de Mello e Souza como uma das grandes intelectuais do Brasil do século 20.”

Laura Escorel - Foto: Arquivo pessoal

Nascida em 1919, Gilda passou boa parte de sua infância na fazenda de seus pais, em Araraquara (SP). Mudou-se ainda jovem para São Paulo, onde viveu durante anos ao lado do escritor Mário de Andrade (1893-1945), seu primo em segundo grau. Sua profunda relação intelectual e afetiva com o escritor resultou no livro O Tupi e o Alaúde (1979), interpretação da professora sobre Macunaíma (1928), obra-prima de Mário de Andrade.

Para a professora Silvana Ramos, do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, O Tupi e o Alaúde é uma obra “original, que coroou a consagração de Macunaíma”. “Foi a partir desse livro que ficou claro, tanto para a crítica quanto para os leitores, que Macunaíma é uma obra central do Modernismo brasileiro e é, de certo modo, uma síntese do projeto intelectual e artístico de Mário de Andrade”, afirma Silvana, que será uma das participantes do colóquio.

As reflexões propostas por Gilda décadas atrás, segundo Silvana, fornecem ferramentas conceituais e metodológicas para repensar as formas de pensamento e de cultura que fazem a sociedade brasileira. “Se com Gilda de Mello e Souza temos uma consagração de Macunaíma, hoje dispomos de uma leitura de Macunaíma a partir da arte indígena contemporânea. Esse boom do pensamento decolonial pode ser revisto a partir do pensamento da professora Gilda, no sentido de que isso não é uma coisa que aconteceu agora: desde as vanguardas, o pensamento ocidental é criticado.”

Outra participante do colóquio, a professora Taisa Palhares, do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), destaca a relação do trabalho de Gilda de Mello e Souza com questões contemporâneas: “Sua obra contribui para alargar o cânone filosófico que sempre privilegiou alguns problemas ou formas de pensamento, sobretudo ligados ao modelo europeu e masculino. Nesse sentido, seu pensamento recoloca a questão sobre o que significa fazer filosofia no Brasil”.

Para Taisa, Gilda é uma inspiração como mulher intelectual. “Ela aliou, dentro dos limites históricos do seu tempo, a escrita impecável a objetos de pesquisa pouco convencionais no contexto da estética acadêmica. Seu legado nos ensina que é possível filosofar a partir do olhar que enxerga nos pequenos detalhes o sentido do mundo. Sem preconceitos”, acrescenta.

“Uma mulher pioneira na Universidade de São Paulo”

Laura Escorel descreve Gilda como “uma mulher pioneira na Universidade de São Paulo, tanto na atuação como professora e diretora do Departamento de Filosofia quanto no que diz respeito aos temas de pesquisa”. Gilda foi chefe daquele departamento entre 1969 e 1972 e, apesar da repressão que a ditadura militar impunha às universidades e aos universitários na época, ela conseguiu impedir que o departamento fosse fechado.

A professora teve importância também na fomentação dos estudos na área da moda, que, na época, encontrava resistência no Departamento de Filosofia. Nele, fundou a disciplina de Estética e desenvolveu as ideias que tinha exposto em sua tese de doutorado em Ciências Sociais, A Moda no Século XIX, defendida em 1950, sob orientação de Roger Bastide, e publicada dois anos depois. O livro conferiu notoriedade à ensaísta e, até hoje, é considerado referência nos estudos sobre moda. As reflexões geradas por ele são o tema da primeira mesa-redonda do colóquio.

“A obra dela ajuda as pessoas que estão envolvidas com a produção intelectual a terem um modelo do que é um trabalho de excelência quando se trata de fazer uma articulação entre uma análise que apreenda um fato social – a moda, a pintura, o cinema ou o teatro, por exemplo – e suas dimensões estéticas”, comenta a professora Heloisa Pontes, do Departamento de Antropologia da Unicamp, que também estará no Colóquio Gilda de Mello e Souza.

Heloisa acrescenta que o reconhecimento da professora pelas novas gerações é importante. “O trabalho de Gilda tem essa capacidade luminosa de nos mostrar coisas que nós não vemos e aprendemos a ver quando lemos seus textos.”

“A importância de dedicarmos um colóquio à professora Gilda diz respeito à valorização da trajetória e da produção das mulheres, em todos os campos da sociedade. Um exercício que tem como propósito chamar a atenção para a desigualdade de gênero em geral e na vida universitária, em especial”, complementa Laura. “É preciso que as universidades e instituições de cultura estejam verdadeiramente atentas à produção das mulheres, e não usem a pauta da desigualdade de gênero apenas como estratégia de marketing.”

Entre os participantes do colóquio estarão professores que foram alunos de Gilda, como José Miguel Wisnik, ou que conviveram com ela, como Walnice Nogueira Galvão e Carlos Augusto Calil. Já no caso dos mediadores das discussões, além dos pesquisadores do próprio Sesc, todos realizaram trabalhos, pesquisas de mestrado e doutorado e seminários relacionados à obra da professora.

O Colóquio Gilda de Mello e Souza será realizado nos dias 27 e 28 de junho, a partir das 13h30 e 14 horas, respectivamente, no Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc (Rua Dr. Plínio Barreto, 285, 4º andar, Bela Vista, em São Paulo). As inscrições devem ser realizadas no site da Central de Relacionamento Digital Sesc SP até o dia 27 de junho ou enquanto houver vaga. Há ingressos disponíveis nos valores de R$15,00 (credencial plena), R$25,00 (pessoas com mais de 60 anos) e R$50,00 (inteira). É recomendado o uso de máscaras. Mais informações estão disponíveis no site do Centro de Pesquisa e Formação Sesc São Paulo.

Reflexões sobre arte, literatura, estética e filosofia

Dia 27 de junho, terça-feira

13h30 – Abertura Institucional

 

14h às 15h – Prelúdio

Música, cinema, fotografia, literatura: uma introdução ilustrada ao ensaísmo de Gilda.

Com José Miguel Wisnik e Daniel Augusto.

 

15h 16h30

Mesa 1 |O espírito das roupas

Refletir sobre temas presentes em O espírito das roupas, relacionando-os à moda na contemporaneidade.

Participantes: Heloisa Pontes (Unicamp), Maria Claudia Bonadio (UFJF) e Maria do Carmo Teixeira Rainho (Arquivo Nacional).

Mediação: Brunno Almeida Maia (UNIFESP).

 

17h às 18h30

Mesa 2 | A ideia e o figurado

Refletir sobre o uso de acervos pessoais para a produção de novas obras a partir da experiência de A ideia e o figurado.

Participantes: Augusto Massi (USP), Maria de Lourdes Eleutério (FAAP) e  Silvana Ramos (USP)

Mediação: Elizabeth Ribas (IEB-USP).

 

19h30 às 21h

Mesa 3 | Manifestações artísticas: Exercícios de leitura

Amplitude das manifestações artísticas sobre as quais Gilda de Mello e Souza se debruçou criticamente.

Participantes: Annateresa Fabris (USP), Sergio Miceli (USP) e Ricardo Fabbrini (USP).

Mediação: Bárbara Luísa Pires (Unicamp)

 

Dia 28 de junho, quarta-feira

14h ÀS 15h30

Mesa 4 | O tupi e o alaúde: Gilda e Mário

A interpretação de Macunaíma: O tupi e o alaúde – Gilda de Mello e Souza e Mário de Andrade.

Participantes: Flávia Toni (IEB-USP), Flora Süssekind (UNIRIO) e José Miguel Wisnik (USP).

Mediação: Flavia Prando (CPF-SESC).

 

16h às 17h30

Mesa 5 |Gilda, a paixão pela forma

Refletir sobre Gilda de Mello e Souza a partir dos ensaios do livro A paixão pela forma.

Participantes: Ligia Fonseca Ferreira (UNIFESP), Taisa Palhares (Unicamp) e Salete de Almeida Cara (USP).

Mediação: Maurício Trindade (CPF-SESC)

 

18h às 19h30

Mesa 6 |A palavra afiada

Refletir sobre os temas apresentados no livro A palavra afiada.

Participantes: Walnice Nogueira Galvão (USP), Carlos Augusto Calil (USP) e Marcos Antonio de Moraes(IEB-USP).

Mediação: Laura Escorel (PGEHA-USP).

Cartaz de divulgação do Colóquio Gilda de Mello e Souza - Foto: Reprodução/Sesc São Paulo

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