Uma pesquisa do Museu de Zoologia (MZ) da USP, realizada na região da Chapada do Araripe, no Ceará, foi além da identificação de espécies de mariposas da família Sphingidae. O estudo, realizado pela bióloga Talitha Costa, identificou, por meio do pólen no corpo dos insetos, as espécies vegetais que são polinizadas pelas mariposas, principalmente à noite. O trabalho ajudará a entender a contribuição desses insetos para o desenvolvimento da flora da região, auxiliando em ações de preservação ambiental.
“O projeto coletou dados da fauna de esfingídeos (mariposas da família Sphingidae), atraídos por fonte luminosa artificial e seus otofeidomenídeos (ácaros da família Otopheidomenidae), que vivem associados no corpo dos esfingídeos”, conta o biólogo Marcelo Duarte, professor do MZ. “Também foi analisada a composição de espécies de plantas utilizadas como recurso floral pelos esfingídeos em um brejo de encosta no município de Santana do Cariri, pertencente à Chapada do Araripe, no Ceará.”
Os lepidópteros compreendem as mariposas e borboletas e são o segundo maior grupo de animais em número de espécies, reunindo pouco mais de 157 mil espécies distribuídas em 43 superfamílias e 133 famílias. “Existem quase 45 mil espécies descritas na região neotropical”, relata o biólogo. “Deste total, 26 mil espécies ocorrem no Brasil, que está entre os três países mais ricos em Lepidoptera do mundo, e há estimativas que esse número pode chegar a 60 mil.”
Os esfingídeos são usados como indicadores biológicos em avaliações da qualidade ambiental em ecossistemas. “Eles também são agentes polinizadores de inúmeras espécies vegetais em regiões tropicais, responsáveis por polinizar plantas com antese noturna [que abrem as flores à noite], tendo importante função na composição e dinâmica das formações da vegetação”, afirma Duarte. “Estas plantas são denominadas de esfingófilas, e além de abertura crepuscular noturna, possuem geralmente flores tubulares ou em pincel, com cores brancas ou pálidas, emissão de odores adocicados e produção de néctar com predominância de sacarose.”
Espécies
Em dois anos de coleta, foram identificados 18 gêneros e 37 espécies de esfingídeos, das quais nove são novos registros para o Estado do Ceará. “A distribuição das espécies durante os dois anos foi bem marcada e sazonal, refletindo maior riqueza e abundância no período chuvoso”, descreve o biólogo. “Em Santana do Cariri foi observado um números expressivo de espécies e gêneros, para os padrões do Nordeste, provavelmente pela presença de vegetações mais heterogêneas como o cerradão e a mata úmida, favorecendo a presença de espécies mais sensíveis à baixa umidade relativa do ar dentro dos domínios da caatinga.”
Das espécies coletadas, seis (Erinnyis ello ello, Erinnyis alope, Callionima grisescens, Hyles euphorbiarum, Xylophanes tersa e Agrius cingulata) foram as mais abundantes, representando 91% dos insetos amostrados. “A mais constante foi a Erinnyis ello ello, reconhecida como a espécie de Sphingidae mais comum das Américas, devido à sua alta capacidade de se adaptar em situações extremas, como baixa oferta de alimento e baixa umidade relativa do ar”, aponta Duarte. “A dominância de Erinnyis ello ello, em grande parte, pode ter sido ocasionada pela disponibilidade de plantas alimentícias do estágio larval desse esfingídeo.”
A pesquisa observou ácaros aderidos ao corpo em 3,3% dos 122 esfingídeos analisados, num total de 662 ácaros ectoparasitos, 392 no primeiro ano de coleta e 270 no segundo, representantes das famílias Erythraeidae e Otopheidomenidae. “Foram identificados uma espécie (Callidosoma selmae) e um gênero (Caeculissoma sp.) de Erythraeidae e duas espécies de Otopheidomenidae, Prasadiseius cocytes e P. donahuei, essa registrada pela primeira vez no Brasil”, destaca o biólogo. “Também pela primeira vez no País, foi encontrado um esfingídeo infestado por duas espécies de otofeidomenídeos, o que devera estimular novas pesquisas e apoiar experimentos futuros.” Das 37 espécies de Sphingidae amostradas em Santana do Cariri, houve registro de pólen para 29 delas (76%), totalizando a identificação de 91 tipos polínicos de plantas angiospermas. “As espécies que tiveram mais informações ampliadas sobre os tipos polínicos utilizados foram Erinnyis ello ello, com 56 novos tipos polínicos, e para Xylophanes tersa e Agrius cingulata foram encontrados 27 e 25 novos tipos polínicos, respectivamente”, diz Marcelo Duarte. “Para o Ceará, todos os dados são novos e devem impulsionar as pesquisas sobre o grau de contribuição que esses animais dão para a flora local, pois um número expressivo de famílias e espécies de plantas da região foi visitado.” Segundo o biólogo, ainda há pouco conhecimento sobre a diversidade de Lepidoptera na região Nordeste, com poucos levantamentos publicados até o momento. “Os resultados desse estudo poderão ser utilizados como um comparativo em pesquisas futuras de conservação para a região”, observa, “além de trazer uma ampliação para a coleção de Lepidoptera do Museu de Zoologia sobre a região Nordeste”. A pesquisa, descrita na tese de doutorado de Talitha Costa, desenvolvida no MZ e defendida no Instituto de Biociências (IB) da USP, faz parte do projeto “Taxonomia, diversidade e distribuiçao de Lepidoptera (Insecta), com ênfase na fauna brasileira (PROTAX)”, com auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Mais informações: e-mail mduartes@usp.br, com Marcelo Duarte