Foto: Celso Pupo/123RF
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A pesquisa fez a avaliação física de 50 árbitros vinculados à Federação Paulista de Futebol (FPF) e comparou seus desempenhos com os de 60 atletas de alto rendimento, que atuam nas séries A1, A2 e A3 do Campeonato Paulista, para traçar o perfil de saúde do coração e física dos juízes e dos jogadores que atuam em competições de alto nível. “O estudo comparou o nível de aptidão funcional, quer dizer, do fôlego pulmonar dos árbitros, em relação ao dos jogadores”, diz o pesquisador Paulo Roberto Santos-Silva, do Laboratório de Estudos do Movimento (LEM) do Instituto de Ortopedia (IOT) do HC, onde aconteceu a avaliação. “O futebol impõe hoje aos árbitros as mesmas demandas físicas dos atletas, porém, apesar de o juiz ser um ator importante no futebol, sem o qual não há jogo, ele ainda é pouco avaliado fisicamente.”
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Os participantes do estudo foram avaliados nas instalações do LEM, que é um centro de excelência em medicina do esporte, credenciado pela Federação Internacional de Medicina do Esporte (FIMS) e pela Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA). “Árbitros e jogadores passaram por testes de esteira, com monitoramento em 12 posições do coração, exames de sangue, cardiovasculares e nutricionais, testes psicológicos, auditivos e de visão. Nenhum árbitro apresentou problemas nessas avaliações, o que é importante, pois assim como os atletas, eles não podem ter qualquer aspecto de saúde alterado que interfira no deslocamento em campo e possa levar ao risco de morte súbita.” Há cinco anos, por meio de um convênio com a FPF, o laboratório faz uma avaliação cardiovascular dos atletas antes de começar o Campeonato Paulista. “Também foi avaliado o consumo máximo de oxigênio (VO2max), essencial para a produção de energia, já que um árbitro costuma percorrer 11 quilômetros e usar de 70% a 85% da frequência cardíaca máxima a cada jogo”.
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Oxigênio e energia
Santos Silva relata que no nível submáximo da avaliação, ou seja, na parte do desempenho em que o juiz não precisa se esforçar ao máximo, o que está relacionado com deslocamentos menos intensos e com intensidade variável, não houve diferença no consumo de oxigênio, frequência cardíaca e velocidade de corrida em relação aos jogadores. “Esse tipo de esforço, andar, trotar e correr em intensidade moderada, é o que os árbitros mais fazem durante as partidas e é o mais necessário para apitar. No entanto, quando se avalia a condição máxima de esforço, a diferença no consumo máximo de oxigênio não é grande”, conta. Enquanto os atletas consumiram em média 58,7 mililitros de oxigênio por quilo por minuto (mL/kg/min), os juízes alcançaram 54,7 mL/kg/min. “Isso é bem significativo, pois apesar da média de idade dos árbitros ser de 34,8 anos, contra 20,8 anos dos jogadores, eles apresentam uma condição atlética similar.”
O pesquisador ressalta que o resultado das avaliações do índice de VO2max evidencia deficiências da preparação física no futebol brasileiro. “Não estão entendendo que o futebol é um esporte dinâmico e que para dar energia ao corpo é preciso desenvolver três metabolismos: os estímulos físicos alácticos, para piques de velocidade curtos, os estímulos lácticos, para piques de velocidade média prolongada, e os aeróbios, que são deslocamentos de intensidade moderada durante os 90 minutos de jogo”, aponta. Na literatura científica, VO2max recomendado para jogadores de linha jogarem com alta intensidade é de 60 mL/kg/min. “Porém, em cinco anos avaliando jogadores profissionais dentro do convênio com a FPF, verificou-se que a maioria apresenta valores em torno de 50 mL/kg/min. Na Europa, uma pesquisa que acompanhou 1.545 atletas durante 23 anos verificou uma média de VO2max entre 62 e 64 mL/kg/min.”
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O cientista destaca que o jogador de futebol não precisa ter o VO2max de um maratonista de alto nível (por volta de 80 mL/kg/min), mas o metabolismo aeróbio precisa estar dentro do padrão recomendado pela literatura científica. “O VO2 alto capacita o jogador para dar piques, ficar mais tempo com a bola, aumentar a distância percorrida na partida, transportar mais oxigênio para os músculos, ter maior produção de energia, se recuperar mais rápido de esforços mais intensos (metabolismos lácticos e alácticos) e ampliar a eficiência da remoção de lactato dos músculos, retardando a fadiga”, afirma. “No entanto, muitos preparadores físicos têm priorizado corridas mais curtas e treinos com campo reduzido, pequenos jogos (3×3; 4×3; 4×4, etc.), exercícios de core, funcionais, importantes no contexto do futebol, mas esquecem do metabolismo aeróbio. O VO2max é o tanque de combustível do jogador de futebol. Não pode haver separação entre os metabolismos, sob pena da fadiga chegar mais rápido, em especial na segunda metade das partidas.”
Para resolver esses problemas, Santos Silva recomenda mudanças na metodologia de treinos para aprimorar o metabolismo aeróbio. “O ideal seria realizar corridas mais longas, de 30 a 40 minutos, tiros intervalados de 1.000 e 1.200 metros, com 4 a 6 tiros, 4 minutos de duração e 3 a 4 minutos de recuperação numa intensidade de 85% do VO2max, fazendo controle individualizado da intensidade do esforço de cada atleta.” O pesquisador menciona que um treino intervalado com distância de 1.200 metros, utilizando 90% da frequência cardíaca máxima prevista para a idade, pode aumentar o VO2max em 10% após dez sessões. “Quanto aos árbitros, a pesquisa fez uma avaliação, não uma intervenção, isto é, verificou-se que os juízes treinam bastante, mas não na mesma constância e frequência de um jogador, mesmo porque muitos deles têm outras profissões. No entanto, as diretrizes para um treinamento cientificamente correto são as mesmas.”
Mais informações: e-mail fisiologistahc@usp.br, com Paulo Roberto dos Santos Silva