A reescrita deste episódio do Mulheres e Justiça traz a advogada Vanessa Ramos da Silva, doutoranda em Direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, que fala sobre decisão proferida em 2017 em um processo de pedido de autorização judicial para interrupção da gravidez de feto com malformações congênitas, chamada complexo de Oeis.
Sobre a escolha desse tema para a reescrita, Vanessa conta que, após a decisão de 2012 na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que é inconstitucional a interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo constitui aborto, os pesquisadores encontraram elementos interessantes para discutir problemas frequentes sobre o tema no sistema de justiça brasileiro. O primeiro deles é a ausência de uma legislação doméstica que consiga garantir uma segurança jurídica para esses pedidos de interrupção de gravidez, decorrentes de malformação fetal e a ausência de uma perspectiva de gênero no julgamento desses casos que envolvem os direitos humanos das mulheres.
Segundo Vanessa, as pesquisadoras acreditavam que, depois do julgamento da ADPF 54 pelo STF, existiria uma certa tendência a acomodar casos semelhantes, “mas, a partir das nossas leituras e também da minha pesquisa de mestrado, concluímos que casos de pedido para interrupção de gravidez não só continuavam chegando no sistema de justiça, como também existem inúmeras decisões contrárias a esse precedente do STF”.
Violação de direitos humanos
A partir de metodologia feminista, as pesquisadoras propuseram uma reflexão para compreender como diferentes matrizes de dominação se expressam nessas estruturas e acabam por produzir diferentes formas e sistemáticas de violação aos direitos humanos das mulheres pelo sistema de justiça. A partir dessa reflexão, para a reescrita, as pesquisadoras utilizaram um Protocolo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para julgamento com perspectiva de gênero, um guia para que os julgamentos não levem a uma repetição de estereótipos e a não perpetuação das diferenças.
Para a pesquisadora, os resultados, a partir do uso de teorias e métodos feministas, apresenta um potencial de superar os limites de uma simples aplicação do que já tem preestabelecido nos códigos, pois leva em consideração outras questões, principalmente aquelas relativas à construção social da maternidade, aos direitos que estão vinculados a essa construção social.
A desconsideração do aspecto que é volitivo dentro da maternidade, diz Vanessa, constitui, por si só, uma violação dos direitos, mas, ao incorporar uma perspectiva feminista, que vai levar em consideração esses desafios, existe, de fato, justiça reprodutiva. “Aí está a diferença entre a sentença original e a reescrita. Na primeira, temos a repetição de vários estereótipos de gênero que foram utilizados como fundamento para indeferir o pedido. Enquanto na reescrita, a partir de uma perspectiva de gênero e utilizando também o protocolo como parâmetro, foi deferido o pedido, como uma medida de efetivação dos direitos humanos das mulheres, em especial os direitos reprodutivos.”
A série Mulheres e Justiça faz parte do projeto Reescrevendo Decisões Judiciais em Perspectivas Femininas, uma rede colaborativa de acadêmicas e juristas brasileiras de todas as regiões do País que se presta a reescrever decisões judiciais a partir de um olhar feminista.
A série Mulheres e Justiça tem produção e apresentação da professora Fabiana Severi, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, e das jornalistas Rosemeire Talamone e Cinderela Caldeira -
Apoio:acadêmicas Juliana Cristina Barbosa Silveira e Sarah Beatriz Mota dos Santos-FDRP
Apresentação, toda quinta-feira no Jornal da USP no ar 1ª edição, às 7h30, com reapresentação às 15h, na Rádio USP São Paulo 93,7Mhz e na Rádio USP Ribeirão Preto 107,9Mhz, a partir das 12h, ou pelo site www.jornal.usp.br