A crise econômica está tendo reflexos consideráveis em um dos principais entes responsáveis por oferecer serviços públicos que afetam diretamente o cidadão: as prefeituras. O problema, que já levou vários Estados brasileiros a decretarem calamidade financeira, atinge também municípios pelo País. Boa parte dos municípios enfrenta situação fiscal difícil e aguarda ajuda financeira da União. Tem ainda a reforma do pacto federativo, que também pode entrar na pauta. Em reunião ontem (20) com governadores, o ministro Paulo Guedes destacou que a concentração de poderes e recursos no governo federal, ao longo de quatro décadas, trouxe problemas no âmbito econômico. “Governadores e o governo federal estão afogados pelas dívidas. Temos que reagir a isso e uma forma instantânea é um programa emergencial que estamos montando para antecipar recursos”, disse Guedes.
O Jornal da USP no Ar, com participação de Ferraz Júnior, entrevistou a professora Cláudia Souza Passador, do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP), do Centro de Estudos em Gestão e Políticas Públicas Contemporâneas (GPublic) e do Grupo de Estudos em Gestão Pública do Instituto de Estudos Avançados, todos da USP. A especialista explica que a Lei de Responsabilidade Fiscal, que veio para realizar a junção da distribuição e da cobrança de funções, estimava que o controle permanente das contas públicas seria possível apenas dentro de um crescimento sustentável tanto dos governos municipais quanto estaduais. Entretanto, na prática, ela aponta dois problemas principais: a responsabilidade dada aos municípios sob a gestão de recursos, que passaram a vir diretamente para eles, e o aumento, acima do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), com a folha de pagamentos. A professora questiona também quantos municípios, depois de assumirem esse protagonismo como poder subnacional e local dado pela Constituição de 1988, conseguiram efetivamente reestruturar cargos e salários, qualificar mão de obra, investir no servidor e utilizar os cargos comissionados como equipe técnica adequada a cada secretaria.
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Entre o valor arrecadado, que diminuiu por conta da crise econômica, os gastos com a folha de pagamento e a dívida líquida consolidada, muitas vezes ocorre uma sobrecarga dos municípios e Estados, agravada pela falta de gestão. O endividamento cresce de forma escalonada e pode levar ao não recebimento de novos repasses ou de fundos, como o Fundo de Participação Municipal e o Fundo de Participação Estadual.
Para Cláudia, é necessário lembrar que todo o contexto da descentralização e do poder subnacional nasceu na Constituição de 1988. A ideia de que o município participasse como ente federado era uma forma de aproximar o cidadão da gestão. Por outro lado, ela defende que isso é muito questionável, já que, analisando os processos de gestão, investimento no servidor público, na qualificação da mão de obra e nas ferramentas de gestão do próprio governo federal, e comparando-os com os dos governos municipais e estatais, percebe-se que pouquíssimos Estados e municípios investem nesses processos. Por isso, quando se fala que o governo federal centraliza os recursos, é necessário lembrar também dos recursos que vêm diretamente para Estados e municípios. No caso do SUS, por exemplo, o grande problema está no nível municipal, em que não houve reestruturação de cargos, salários e secretarias, e não se consegue realizar o trabalho básico, levando quadros a evoluírem até se tornarem graves e custosos.
A boa gestão, defende a especialista, está ligada à autonomia de que os recursos sejam utilizados da melhor maneira possível. Uma determinada quantidade de recursos pode ser especificamente destinada à saúde, mas cabe aos prefeitos pensar regionalmente para que não se gaste desnecessariamente com um hospital em uma cidade que, de acordo com o contexto, deveria ter apenas atenção básica, deixando de investir em outras áreas, por exemplo.
A professora enxerga que a solução da questão estaria na utilização de tecnologias, como o Big Data, nos Tribunais de Conta, para que as diferenças entre o que está nos portais de transparência e o que recebem esses tribunais sejam controladas. Além disso, ela aponta que essa tecnologia já existe e está à disposição dos governantes.