Progressão horizontal: convite ao diálogo

Por Wagner Costa Ribeiro, professor titular do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP

 14/12/2020 - Publicado há 3 anos
Wagner Costa Ribeiro – Foto: IEA/USP
Diante das controvérsias que o edital de progressão horizontal em curso acarretou, apresento algumas considerações e duas propostas.

Trata-se de um edital que promove uma avaliação do conjunto de docentes habilitados a receber uma remuneração adicional, ou seja, os que estão classificados como Professor Doutor 1, Professor Associado 1 e Professor Associado 2. Ou seja, ele visa a discriminar docentes entre um conjunto, seja este definido pelo departamento ou pela unidade.

Somos avaliados em diversos momentos da carreira. Cada título conquistado decorre de um processo avaliativo, alguns longos. Além disso, no caso da USP, passamos sob o crivo de bancas de concursos públicos para seleção de quadros para a principal universidade do Brasil. Depois, enfrentamos o período probatório, avaliado pela CERT. Mas não para aí. Ao submeter projetos a agências de fomento, ou mesmo a editais de pesquisa internos, estamos sujeitos à avaliação e à distinção entre um conjunto de colegas. O mesmo ocorre quando da submissão de resultados de pesquisa a eventos e a publicações científicas. Como sabemos, nem todos os trabalhos são aceitos.

Em todas estas situações, o reconhecimento do mérito acadêmico, apesar de eventuais distorções, é a medida utilizada para aprovar projetos de pesquisa, apresentações de trabalho e publicações. Os critérios são criados pela comunidade acadêmica e são conhecidos. Em outras palavras, qualquer docente da USP sabe o que deve fazer para ter um projeto aprovado em uma determinada agência de fomento à pesquisa, quais são os principais eventos nacionais e internacionais que convém expor seu trabalho à discussão e o que precisa cumprir para ter um trabalho aprovado à exposição pública. Também conhece as principais revistas acadêmicas de seu campo de investigação e os critérios para o artigo ser aceito à publicação.

Mas há outro aspecto ainda mais relevante. Em geral, ocorre um diálogo produtivo entre avaliadores desconhecidos e o proponente de um projeto, trabalho a ser apresentado em congresso ou artigo científico submetido a uma revista acadêmica. Na minha trajetória de mais de 30 anos como docente universitário, afirmo que este diálogo entre desconhecidos foi muito interessante, tanto quando estive como avaliador como quando era avaliado. Não são raras as observações e questionamentos que melhoraram um projeto, artigo e trabalho submetido a congresso. Do mesmo modo, também já sugeri ajustes, que na ampla maioria das vezes foram incorporados. Esta troca de correspondência acadêmica é realizada com boa fundamentação teórica e conceitual, reafirma a importância metodológica e a necessidade de diálogo para aprimorar uma pesquisa e/ou artigo.

O processo de progressão horizontal em curso é bastante diferente. Primeiro porque os avaliadores serão conhecidos, o que pode gerar constrangimentos (aos avaliados e aos avaliadores). Pior, diferente da submissão a agências, congressos e revistas, a recusa da progressão se tornará pública entre colegas do departamento e da unidade. Mas não para aí. Ainda que colegas tenham mérito reconhecido, nem todos receberão um aumento salarial, posto que, ao que tudo indica, os recursos não serão suficientes para atender a toda demanda, já que a qualidade do corpo docente da USP vai ficar explícita ao final deste processo, não tenho dúvida.

Por isso surge uma demanda que pode causar grandes discussões: a classificação de docentes, que o edital chama de “lista ordenada”. Nos termos em que está, o edital estimula a competição entre colegas de um departamento e/ou unidade, o que pode trazer sequelas que podem perdurar anos a fio. Esta cultura, amplamente difundida no meio privado, não é condizente com a boa prática acadêmica. Como sabemos, o diálogo entre pares desconhecidos não é remunerado nem identificado. O que se busca é aprimorar a produção do conhecimento e questionar seus fundamentos para melhor atender ao interesse público.

Além disso, ainda enfrentamos uma pandemia, com as adversidades decorrentes, que, sabemos, não afetam toda a comunidade acadêmica da mesma forma. Certamente parte dos docentes foi prejudicada em suas pesquisas, seja pelo impedimento de acesso às instalações da USP, seja por demandas externas que exigiram (e talvez ainda exijam) atenção, como assistir parentes, amigos, senão a si próprio, frente à crise de saúde pública a que estamos sujeitos.

Diante disto, em meu ponto de vista, o ideal seria suspender o edital e utilizar os recursos destinados e ele para promover um aumento salarial a toda a massa de trabalhadores da USP, docentes e não docentes. Toda a comunidade deve ser beneficiada por um aumento salarial como reconhecimento pelo esforço despendido para manter a Universidade em funcionamento em plena pandemia. Aulas foram oferecidas, pesquisas foram concluídas, artigos e livros foram publicados, inúmeros eventos acadêmicos foram realizados, assim como os colegiados mantiveram seus encontros do mesmo modo que a administração de pessoal e acadêmica manteve suas funções. Portanto, todos devem ser reconhecidos com aumento salarial. A progressão horizontal deveria ocorrer em outro momento, quando o montante de recursos disponíveis for conhecido a priori, por exemplo.

Não faltaram manifestações em reuniões de docentes realizadas pela CAD, de congregações e de fóruns de docentes pedindo ajustes no edital, que até o momento não foram consideradas. Apresento mais uma alternativa, em caso dele ser mantido. Todos os docentes reconhecidos pelo mérito acadêmico para a progressão horizontal devem receber um aumento salarial, que seria definido pela divisão do montante disponível, que ainda é desconhecido, pelo total de aprovados. Simples assim. Deste modo, o maior incômodo de departamentos e unidades seria evitado, qual seja, a lista ordenada.

Na melhor tradição acadêmica, ofereço estas sugestões ao debate.


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