Governo que apoia inovação precisa defender a Fapesp

Por Paulo Nussenzveig, pró-reitor de Pesquisa e Inovação da USP, Edson Botelho, pró-reitor de Pesquisa da Unesp, Raúl González Lima, pró-reitor adjunto de Inovação da USP, e Ana Frattini Fileti, pró-reitora de Pesquisa da Unicamp

 17/05/2024 - Publicado há 2 meses
Paulo Nussenzveig – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

Edson Botelho – Foto: TV Unesp

 

Raúl González Lima – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

Ana Frattini Fileti – Foto: PRP Unicamp
No século 21, a vida em sociedade é regida pela geração e apropriação de conhecimento: quanto mais apta a sociedade estiver para isso, maior prosperidade e bem-estar serão conquistados. A conversão de ideias em impacto benéfico para a população, fundamento da inovação, exige comprometimento inequívoco de diferentes segmentos da sociedade, em especial dos setores governamental, privado e acadêmico.

A publicação da proposta de lei de diretrizes orçamentárias (LDO) no Diário Oficial do Estado de São Paulo, em 3 de maio, surpreendeu a comunidade acadêmica e empresarial. O governo propunha que três outras instituições repartissem as verbas destinadas às três universidades estaduais, em percentual fixado em 9,57% da arrecadação do ICMS.

Além disso, o governo fez inscrever explicitamente na previsão de dotação orçamentária para a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), que recebe 1% da arrecadação tributária líquida do Estado, conforme o artigo 271 da Constituição Estadual, a informação de que esse valor poderia ser reduzido a 0,7% por meio da DREM (Desvinculação de Receitas de Estados e Municípios). Após manifestação do Cruesp, o governo recuou do corte orçamentário para as universidades.

Ao longo da semana, seguiram-se manifestações do Conselho Superior da Fapesp, de eminentes empresários, da Fiesp, entre outras, além de editorial da Folha, no domingo, criticando a possibilidade de corte no orçamento da Fapesp.

Nos últimos anos, parece ter se tornado um “esporte” dos poderes Executivo e Legislativo estaduais cobiçar as verbas destinadas à Fapesp. Em 2017, houve a tentativa de destinar apenas 0,89% da arrecadação tributária e, em 2020, foi encaminhada proposta de retirar 30% do orçamento, como agora parece se desenhar. O artigo 271 da Constituição do Estado de São Paulo permanece categórico: a Fapesp deve receber 1% da arrecadação tributária líquida “para sua privativa administração”. Nas ocasiões anteriores, como agora, a sociedade se mobilizou para impedir tais sandices. Seria bom que esse “esporte” fosse erradicado de uma vez por todas.

O subterfúgio utilizado para tentar desviar as verbas destinadas à Fundação nos deixa constrangidos em conversas em fóruns internacionais. Como explicar que existem disposições transitórias na Constituição Federal que permitem aos governantes descumprirem leis que permanecem vigentes? Pior, a interpretação usada aqui é que um artigo da Constituição Federal permitiria que governadores descumprissem a lei maior de seus estados, violando artigos das Constituições Estaduais. Há um precedente, em 2020, em que o STF julgou inconstitucional tentativa do governo do Rio de Janeiro de aplicar a DREM para reduzir o orçamento da Faperj. O atual governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), quer entrar para a história como aquele que logrou descumprir a Constituição Estadual para reduzir as verbas destinadas a fomentar a pesquisa e a inovação?

Além da legalidade duvidosa e da imoralidade inquestionável, a escolha do alvo não poderia ser pior. O princípio por trás da desvinculação de receitas é a tentativa de romper “engessamentos” da administração pública, concedendo aos gestores maior flexibilidade e autonomia para otimizarem os gastos feitos com nosso dinheiro. A Fapesp é, justamente, uma instituição-modelo no quesito eficiência de investimentos. Apenas 5% de seu orçamento pode ser gasto com despesas para manutenção da fundação, incluindo aquelas com pessoal. Os outros 95% precisam ser gastos com as atividades-fim de apoiar a pesquisa no Estado de São Paulo.

É interessante que a população tenha mais informações sobre a organização da Fapesp, que é bem diferente do modelo de “instituição estatal” que ocupa o imaginário coletivo.

Embora os integrantes da governança da fundação, membros do seu Conselho Superior e diretores que formam o Conselho Técnico-Administrativo, sejam nomeados pelo governador, nenhum deles detém o poder de determinar o destino dos recursos. Mesmo que alguém quisesse personalizar e fazer uso político da Fapesp, inevitavelmente fracassaria. Excetuando-se os 5% destinados à manutenção, o restante do dinheiro que entra na Fapesp só sai sob forma de apoio a projetos de pesquisa. Para um projeto ser aprovado, ele precisa passar por várias etapas de rigorosa avaliação de mérito, com pareceres de peritos externos e análises colegiadas de uma assessoria formada por mais de uma centena dos mais qualificados pesquisadores do nosso estado. Os processos de avaliação da Fapesp, amadurecidos ao longo de mais de seis décadas, constituem referência e motivo de enorme admiração em todo o mundo.

Acreditamos nos pronunciamentos do sr. governador, em que ele defendeu a importância de investimentos em ciência, tecnologia e inovação. Consoante com esses propósitos, seria um contrassenso reduzir os importantes investimentos na Fapesp, que permitem fomentar a capacidade de inovação (I-CAP). Se esse investimento representa um modelo para o resto do País, em termos internacionais ele ainda é modesto, considerando o potencial econômico do nosso estado.

A prioridade governamental deveria focar na necessidade de investir na correspondente capacidade de empreendedorismo (E-CAP) para tornar nosso ecossistema de inovação mais saudável e robusto (ver “Realimentando a Inovação”, na coluna Caminhos da Inovação).

A articulação do governo com o setor empresarial privado e com o sistema financeiro de capitais de risco (“venture capital”) é crucial para a otimização dos investimentos em busca de maior prosperidade. Mas é evidente que o caminho do apoio à inovação passa inexoravelmente pela defesa intransigente da Fapesp.

(Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 16 de maio de 2024)

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