Covid-19: a necessidade de uma vacina ecumênica e democrática

Por Eduardo Blanco Cardoso, pós-doutorando no Instituto de Psicologia (IP) da USP

 08/02/2022 - Publicado há 2 anos
Eduardo Blanco Cardoso – Foto: Arquivo pessoal

 

Em 19 de janeiro de 2022, mais de cinco milhões, quinhentas e sessenta mil pessoas faleceram de coronavírus no planeta, de acordo com o dado aportado pela Universidade de Medicina Johns Hopkins. Número este a ser considerado pouco confiável, não pela instituição que o divulga, mas pela limitada transparência de informação existente em alguns países. Seguramente trata-se de um cômputo ainda maior. Em dois anos de pandemia, a “simples gripe” transformou-se em um flagelo global.

No Brasil, um número significativo de cidadãos fechou seus ouvidos e mentes para a realidade. Infelizmente, já passou o tempo de emitir alertas e dar conselhos, pois estamos ante uma verdade sinistra e incontestável. Nos perguntamos: quantas mortes mais terão que acontecer? E a resposta possível é: só por meio da hospitalização e do atestado de óbitos vamos conseguir reduzir o número de pacientes “não vacinados”, “incompletamente vacinados” e “antivacina”. Respeitamos as convicções pessoais, mas Pablo Neruda dizia: “Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”. Viver é isso, ficar se equilibrando o tempo todo entre escolhas e consequências. Os resultados que estamos registrando no País são expressão dessas opções. As elites do pensamento individualista, por única vez, encontraram o significado da economia, onde a pertinaz seguridade social não é tomada em consideração. Embora hoje em dia os argumentos sanitários progridam na adoção de medidas como a vacinação e os cuidados individuais, a passagem do passo sanitário ao passo vacinal afronta sério questionamento e resistência.

Por causa do egoísmo, de obcecadas orientações político-partidárias e do desconhecimento, os hospitais ainda seguem sendo obrigados a dar prioridade aos casos de covid, adiando diagnósticos, cirurgias e tratamentos de outras patologias, como as cardiovasculares, cânceres, doenças não transmissíveis (hipertensão arterial, diabete, dislipidemias etc.), entre outras.

Hoje em dia, ainda tem pessoas nos meios de comunicação e mídias sociais que restam importância ao alcance global da pandemia. Subestimamos o vírus e o seguimos fazendo. Subestimamos não só sua gravidade, mas também a sua complexidade. Por exemplo, neste momento, os médicos no mundo todo estão atendendo pacientes pós-covid que têm sequelas que não aparecem em nenhuma outra doença, como são os transtornos neurológicos, respiratórios, psiquiátricos, dermatológicos, de insônia, fadiga etc. Assistimos a um quietismo e indiferença em relação à infectividade do vírus, por parte das instituições públicas que desatendem às medidas de prevenção, orientadas a reduzir sua propagação e contágio. Não temos sacado nenhum aprendizado das sofridas lesões da primeira onda. Os médicos, enfermeiros e equipes de saúde que atuam na ponta, contrariamente, sim, têm apreendido muito sobre como lidar com este tipo de afecção e de doentes, pagando um altíssimo preço, mas parte da sociedade, infelizmente, está reprovando com más notas o curso que a vida nos impôs. As fontes arguidas por aqueles que negam a importância da vacinação e adoção de medidas de proteção, identificam personalidades dissidentes que desafiam o conhecimento estabelecido pela comunidade científica, rejeitando fontes academicamente validadas. E isso se repete com cada novo desafio.

Assim, a atual variante, detectada pela primeira vez na África do Sul, em novembro de 2021, batizada pela Organização Mundial da Saúde de ômicron, considerada mais contagiante que a delta – menos virulenta e ao mesmo tempo preocupante, podendo escapar da imunidade adquirida e/ou provocar versões mais graves da covid-19 – afronta as mesmas dificuldades e contrariedades que o vírus original do sars-cov-2, em termos de credibilidade. É bom lembrar que em um mês e meio de vida a ômicron conseguiu conquistar a atenção do mundo. Realmente é um problema preocupante. Quando assistimos à atitude das autoridades sanitárias vemos que o problema continua sendo banalizado. Se bem, em princípio, não demanda leitos de UTI, respiradores, insumos e recursos humanos qualificados, como os requeridos na primeira onda da covid, o País enfrenta hoje um quadro um pouco diferente, com possível colapso da atenção primária, absentismo laboral em consequência da doença em atividades consideradas essenciais, perda das medidas de contenção, priorização no atendimento de pessoas com baixo risco e poucos sintomas, em detrimento das não ou incompletamente vacinadas e/ou com alguma comorbidade, emprazamento dos programas de detecção e acompanhamento de neoplasias, como os cânceres de mama e colo uterino, entre outros danos, além de encarar as sequelas a longo prazo da covid, como já mencionado, que ainda não sabemos se para ômicron serão comparáveis às de outras cepas.

Ainda é muito cedo para se obter conclusões. Os países que apostam na imunidade de rebanho – “contagiemo-nos todos rapidamente, assim isto passa” – vivem uma verdadeira utopia. Contudo, isto “prende” em uma população psicologicamente esgotada. As pessoas estão, de modo geral, cansadas, desejando que tudo termine prontamente, mas as pandemias não respondem à vontade da sociedade, e sim, a seus cursos biológicos.

Precisamos de uma vacina democrática que inocule a grande maioria da população, sem obstáculos nem preconceitos. Urge restaurar a confiança, restituir a cultura, o diálogo de valor, dando a cada cidadão a oportunidade de aceder a uma educação cívico-sanitária digna e plena. A saúde de nossas instituições e a capacidade coletiva de atravessar um século de incertezas, perturbações e grandes conflitos humanos estão sendo colocadas novamente à prova, perante a pandemia da covid-19. Seguramente, como cidadãos, temos que deixar de nos pôr do lado dos que penosamente fazem a história e ficarmos mais ao serviço dos que a padecem!


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